O conceito de cidadania assenta no sentido de identidade e num sentimento de pertença a uma comunidade, e foi evoluindo conforme evoluiu o conceito da dignidade da pessoa humana (uma evolução que teve início na Grécia Antiga e que culminou com a Declaração Universal dos Direitos do Homem).
Atualmente, o mundo é uma “aldeia global”, não fazendo, por isso, sentido definir a cidadania em função de uma comunidade restrita, quer seja uma cultura, uma religião ou um país.
A forma como as comunidades se foram organizando, quer por força da globalização e do derrube de fronteiras (físicas, mentais, etc.), quer devido ao surgimento da sociedade de informação, deu origem ao aparecimento de sociedades mais abertas, multiétnicas e multiculturais, o que obrigou ao repensar de toda a estrutura sócio-política.
Nos últimos tempos, surgiram também, e em número significativo, organizações e movimentos cívicos que se têm dedicado à discussão de questões intimamente ligadas ao conceito de cidadania, como os direitos humanos, questões ecológicas e ambientais, globalização, etc., utilizando para isso, os meios de comunicação social e a Internet, com especial relevo para as redes sociais.
Do sentimento de pertença a uma comunidade específica e restrita, evoluiu-se para um conceito muito mais amplo, sendo agora a cidadania a expressão dos direitos e deveres de vinculação e de integração dos indivíduos na chamada “comunidade de seres racionais”, ou seja a Humanidade.
A importância deste processo é que o conceito de cidadania passou a dizer respeito à Humanidade, envolvendo todos nós enquanto pessoas, tornando-nos cidadãos do Mundo.
Num tempo em que o mundo vive dias de grande incerteza é urgente repensar todas estas questões de cidadania, na medida em que delas depende o futuro de todos.
Fala-se de crise económica, financeira, social, política…
Fala-se menos em crise de valores e esta é, quanto a mim, a mais preocupante, pois sendo suporte de todas as outras áreas, pressupõe uma mudança de mentalidades, processo normalmente longo e nem sempre pacífico.
Intimamente ligada a esta crise de valores persiste também uma crise de cidadania, uma vez que o exercício desta assenta em valores e virtudes universalmente reconhecidos e aceites, como a justiça, a liberdade, a igualdade, entre outros.
Tem-se defendido a necessidade de que algo tem de ser feito para contrariar esta crise de cidadania, apelando alguns para um maior investimento na educação para a cidadania, especialmente entre os mais jovens.
Sendo certo que os mais novos aprendem pelo que veem fazer os mais velhos, talvez seja verdade que nesta área os exemplos dos mais velhos não estejam a ser suficientes ou, nalguns casos, sejam mesmo negativos.
Vários projetos têm vindo a ser fomentados nesta área, sendo disso exemplo o “Educar para a Cidadania”, desenvolvido pelo Banco Alimentar e dirigido a crianças e jovens, e no qual tive o privilégio de participar como voluntária.
O projeto desenvolve-se através de ações e promoção de iniciativas em infantários, escolas do ensino básico e secundário e em universidades, tendo como objectivo reforçar a “componente cidadania”.
Numa sessão inserida neste projeto, realizada com uma turma do 3º ano, foi colocado para discussão o conceito de cidadania, de forma a avaliar os conhecimentos que as crianças tinham sobre o assunto.
Nunca me esquecerei da resposta de um dos meninos, ruivo e muito sardento, que, após alguns instantes de hesitação, respondeu pleno de convicção: “O que é a cidadania? Cidadania é uma ilha!”
A sua resposta foi objecto de risota entre os colegas e irritou o professor que entendeu a resposta como uma brincadeira provocatória de um aluno que se queria fazer de “engraçadinho”.
É muito provável que o professor estivesse certo, mas a resposta da criança fez sentido para mim, já que uma ilha é normalmente associada a um local paradisíaco, encantado, um local onde todos vivem em paz e são felizes…
Ao procurar uma definição para este conceito, encontrei a de Jorge Sampaio que me faz acreditar que, se todos seguirmos por este caminho, talvez um dia possamos dizer como aquela criança que “Cidadania é uma ilha…”
“A cidadania é responsabilidade perante nós e perante os outros, consciência de deveres e de direitos, impulso para a solidariedade e para a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e ação que se pensa.” (Jorge Sampaio)
Cristina Vieira (articulista convidada)