Sou cidadão. Sou cidadão deste país. Sou assim como que um cidadão promovido, promovido na sua condição, da cidade ao país – um cidadão acrescido. Sou cidadão de cartão passado, num país que tem uma Constituição e que tem leis, as quais, em letra de forma, preto no branco, definem os meus direitos e os meus deveres. Tudo muito correto, tudo muito legal.
Na minha vida procurei sempre manter-me informado e consciente. Procurei sempre participar na sociedade em que nasci e que me envolvia. Sempre vivi do meu trabalho honesto. Procurei sempre cumprir todas as minhas obrigações pessoais, sociais, políticas, fiscais, e ir mesmo um pouco mais além. Sabia que este mundo está bem longe de ser perfeito e acreditava que é possível aperfeiçoá-lo todos os dias – eu esforcei-me por isso!
Um dia chegou uma crise. Chegou de mansinho e instalou-se. E ficou, como quem está bem instalado, confortável, e não quer sair. E veio um Governo novo, porque o anterior tem sempre um qualquer defeito e o novo é sempre quase-perfeito.
E eu, cidadão de cartão passado, fui acusado de tudo o que não suspeitava nem nos momentos de maior lucidez, criatividade ou imaginação: Eu vivia acima das minhas possibilidades e recebia pelo meu trabalho honesto mais do que era merecido – com que truques terei conseguido tal coisa? O adequado parecia agora ser alegrar-me, por haver uma empresa que me dava trabalho, que me ocupava para eu não morrer de desocupação e tédio, não havendo necessidade de receber mais nada em troca. E todos os que me rodeavam eram tal como eu, farinha do mesmo saco, oportunistas, exploradores e indignos, a receber aquilo para o que nunca trabalharam, para o que não tinham merecimento, a que não tinham direito.
E rapidamente o Governo fez justiça, retirando o que eu, e nós, tínhamos em excesso, recolocando-nos na nossa essência parca de sobrevivência. E mais, pedagogicamente indicou o caminho a todos nós, prevaricadores e abusadores, para que de uma vez por todas aprendêssemos a viver em sociedade, aprendêssemos a ser cidadãos modernos e europeus: mudar de país – emigrar! E foi o que fiz. Como bom cidadão que queria ser, e humildemente, emigrei.
Hoje, dez anos depois, reconheço que a lição me fez bem. Vivo agora bem, com a minha família, num país que não é aquele em que nasci e no qual mostrei não merecer viver. Felizmente aquele Governo corrigiu-me, mostrou-me o caminho e deu-me uma segunda oportunidade.
Confesso que me desliguei do meu país, por vergonha dos meus erros. Ouço uma ou outra coisa, de longe em longe e, certamente por estar afastado, há coisas que não entendo. Porque está o país, há alguns anos, em instabilidade e tumultos permanentes? Onde estão os governantes que tão sabiamente indicaram o caminho, a mim, a nós, ao povo?
Fernando Couto