Rompemos para o mundo com violência. Nascer é um ato violento. Queremos, mais que tudo, nascer! Levamos as nossas mães às dores mais profundas do corpo e à alegria mais extenuante da alma. Essa violência em que a nossa própria mãe é cúmplice. Naquele preciso momento, grita, agarra, chora, range os dentes e agride os céus e o que tiver mais à mão. Assim, começa a vida cá fora, da forma mais violenta. Cheio de suor, lágrimas e sangue. E ainda por cima, logo a comunidade em volta nos agride com uma palmada no rabo e nos põe de cabeça para baixo, enquanto choramos a plenos pulmões perante os olhares embevecidos de todos. De mão em mão, tal boneca de pano, chegamos finalmente, ao calor da mãe, ao sôfrego mamar da existência. E, assim estamos, preparados para a violência que nos espera, vida fora!
Assim sendo, atos mais agressivos fazem parte do nosso desenvolvimento, do nosso dia-a-dia. Convivemos dentro e fora com essa agressividade, tantas vezes vital para a nossa emancipação, adaptação e superação.
No entanto, violência pode ser entendida em várias perspetivas. Quando nos deparamos com atos que, conscientemente e intencionalmente, são usados para prejudicar o outro, chegamos ao conceito mais obscuro da violência. Até nós próprios podemos ser, simultaneamente, o autor e alvo dessa violência. Por vezes, estes mesmos atos são mascarados. Às vezes, são mais evidentes, outras vezes mais silenciosos. Porém, não menos danosos.
Somos agressores e agredidos, inevitavelmente, em maior ou menor grau.
Acredito que hoje vivemos sob uma violência que se mascara de solução. Essa tal austeridade, proferida pelos governantes, possuidores do poder de manipular o rumo das nações e seus compatriotas. Formas opressoras de moldar a liberdade de circulação pela própria vida, pelo próprio rumo a tomar. Decisões que agridem o estômago de muitos, o sono de tantos, o sentido de muitos outros. Austeros, esses violadores de sonhos. O que fazer perante tamanha violência? Responder na mesma moeda? Agredir quem nos viola os direitos? Violentar? Talvez perante a violência, a resposta seja readquirir o poder que nós deixamos tomar por algum momento. Com atitude, não com violência!
Cecília Pinto