Bate a chuva cinzenta de um dia molhado na janela respirada de desejo. Amarfanhados, os lençóis brancos, denunciam a dança de dois corpos, envolvidos na loucura consentida de um amor não correspondido. Fixam o teto, enquanto as bocas ainda expiram ao som de um coração potente de sangue jorrado em êxtase. Branco é o silêncio, do corpo leve, mas de alma pregada à cama.
São dois os corpos, com suas peles, há instantes unidas como uma só, mas não num só corpo. Muito menos, numa só alma!
Mesmo ainda com toda a vibração presente, afastam-se lentamente. Não, não conseguem sentir a tal união que o sexo, supostamente, traz a um casal. Estão ali, tal instrumentos necessários a uma tarefa quotidiana, mas que depois da função exercida, quase se abandonam como se nunca tivessem existido ou alguém reparado sequer que existiam.
Nu, segue ele, encostando a cabeça à janela, desejando ser chuva que escorre vidro fora. Engole em seco. Seca está já a sua alma diante tamanho dilúvio.
Na cama, ela recolhe-se, abraçando os joelhos, outrora abertos de prazer, para fechar-se em si.
Fora tamanha a humidade que povoara aquele quarto. Ninguém o pode negar. Porém, tal como um aguaceiro, rápida foi a passagem da sua intensa presença. Ficou apenas a densidade que acompanha os dias de chuva, como um nevoeiro pesado. Que não deixa ver mais além. Aquele nevoeiro que traz incerteza. Que não deixa prosseguir. Só com apalpadelas. E por mais desejo que haja de saber o que vai para lá, cega os olhos de quem tenta conhecer mais e mais. E paira. Sem desaparecer, o nevoeiro.
Viam-se assim, envoltos, num nevoeiro sem igual. Partilhavam a mesma angústia de não serem mais do que uma cama em comum.
Perdidos, revestiram a pele e fugiram-se dos olhos. Mesmo que se olhassem, não veriam mais que o nevoeiro. Preferiram admirar o que os olhos não podiam contestar. Aqueles corpos apetecíveis, aqueles desenvoltos movimentos, sexuais sem intenção. Era tudo o que lhes restava.
Despediram-se, como quem já sai da festa mais desgastado que a euforia.
E, enquanto isso, a intimidade, essa, fazia fronteira, sem visto de entrada. Só de saída.
Cecília Pinto