- Vou telefonar para lhe contar que…
Parou repentinamente, ficou suspenso como se fosse um títere subitamente abandonado. Depois desceu, lentamente, e ficou sentado na cadeira.
Como era possível? Onze meses depois e o seu cérebro, por vezes, persistia, insistia em ignorar a realidade, teimava em não aceitar o que tinha acontecido, o que tinha mudado irreversivelmente.
Porquê? Toda a informação estava lá, tão exacta, clara, brutal e límpida como quando foi guardada: aquele telefonema às oito da manhã, profissional e contido, quase telegráfico, a informar que ela tinha morrido havia meia hora; a primeira vez que os seus olhos perceberam, através de uma porta entreaberta, o seu corpo já sem conteúdo, sem alma, sem calor; o último instante, no cemitério, no qual tomou consciência de que os seus olhos jamais voltariam a recolher, a actualizar aquela imagem.
Ficariam apenas as memórias. Até onde será possível manter as memórias? Como será que o tempo as altera, as desgasta, as corrompe, as corrói?
Sabia que aquele lugar ficaria ali, dentro de si, durante toda a vida que lhe sobejava. Pressentia que aquele vazio, aquela solidão que se instalou, estavam para ficar; quanto tempo ficariam? Provavelmente para sempre, até que fosse possível um novo abraço, até ser possível dizer tudo o que ficou por dizer.
FCC
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