17.9.10

 

Há histórias de amor que são transversais à História, passam de país para país até à sua universalidade, ano após ano, década após década, séculos, até à sua imortalidade.
Gosto dos finais felizes. E, nos casos em que o trágico imortalizou a história, torço pela reversibilidade do final. Importar-me-ia pouco, ou quase nada, se a História não trouxesse até mim o amor de Romeu e Julieta, desde que os dois não morressem no final. Alterar o final é assassinar a imortalidade deste romance, mas que ao menos Julieta acordasse antes do seu amado tomar o veneno fatal.
E o que teríamos perdido se Pedro e Inês simplesmente tivessem casado e vivido felizes para sempre, enfrentando a contrariedade de D. Afonso IV e o despeito de D. Constança? Gosto de histórias de amor e os finais tocam-me particularmente. Conheci recentemente mais uma história de amor à qual, tivesse eu possibilidade, alteraria o final.
 
Um dos lugares mais carregados de simbologia na prisão de Kilmainham Gaol, em Dublin, é a capela. Simples, com um modesto altar colocado no lugar onde antes tinha sido uma porta, acesso a um pátio onde fuzilavam os presos cuja sentença ditava esse fim. Naquela capela realizou-se um casamento que teria apenas a duração do dia seguinte. Não sei que felicidade experimentaram, mas o anúncio da vida interrompida do noivo - decisão inalterável, só pode ter-lhes causado uma imensa dor.
Joseph Plunkett, com 25 anos, um dos líderes da resistência irlandesa, foi preso em 1916, julgado e condenado à morte. Apesar do peso desta condenação a sua namorada, Grace Gifford, quis casar antes que fosse cumprida a sentença. As autoridades deferiram o pedido e a cerimónia do casamento decorreu na singela capela da prisão Kilmainham Gaol onde Joseph Plunkett estava preso. Quando a cerimónia terminou Joseph foi novamente para a sua cela e a recém esposa, agora Grace Plunkett, foi acompanhada à saída da prisão. Aí permaneceu, enconstada ao muro, até às 4 horas da manhã, hora a que ouviu os tiros que tiraram a vida ao seu amado.
Poucos terão tido a honra de testemunhar este acto de amor, mas houve alguém que, com a sua bondade, surpreendeu a desgraçada Grace. No dia anterior à data do casamento, chorosa, foi comprar as alianças. A sua imagem de tristeza não combinava com o acto que iria realizar e suscitou a curiosidade do ourives que, depois de saber o que se passava, ofereceu-lhe as alianças mais caras que tinha na loja.
Enquanto houver alguém que nos credibilize como humanos, a vida tem valor e o nosso futuro é possível.
 
Não sei que força animou Grace para, naquela madrugada, abandonar o muro que a separava do pátio onde jazia o seu marido. Não me custa crer que, no seu entendimento, a melhor maneira de o chorar seria empreender a sua luta. Ela não voltou a casar mas voltou àquela prisão, no período da guerra civil, então como reclusa.
 
Cidália Carvalho
 
Temas: ,
Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 00:05  Comentar

Pesquisar
 
Destaque

 

Porque às vezes é bom falar.

Equipa

> Alexandra Vaz

> Cidália Carvalho

> Ermelinda Macedo

> Fernando Couto

> Inês Ramos

> Jorge Saraiva

> José Azevedo

> Maria João Enes

> Marisa Fernandes

> Rui Duarte

> Sara Silva

> Sónia Abrantes

> Teresa Teixeira

Setembro 2010
D
S
T
Q
Q
S
S

1
2
3
4

5
6
7
8
9
11

12
13
15
16
18

19
20
22
23
25

26
27
29
30


Arquivo
2019:

 J F M A M J J A S O N D


2018:

 J F M A M J J A S O N D


2017:

 J F M A M J J A S O N D


2016:

 J F M A M J J A S O N D


2015:

 J F M A M J J A S O N D


2014:

 J F M A M J J A S O N D


2013:

 J F M A M J J A S O N D


2012:

 J F M A M J J A S O N D


2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


Comentários recentes
De repente, seu homem disse que quer se divorciar ...
O tempo, a arbitrariedade da vida e as fragilidade...
Obrigado SAPO.AO!!
E claro que é no "Cenas na net" mas este na homepa...
Presenças
Ligações