À medida que vamos crescendo, a vida, mais pequeno incidente ou menos leve angústia, é fácil. Apesar das dificuldades, enquanto somos novos e sabemos o que faremos amanhã, a vida é fácil. Enquanto caminhamos sobre o apoio que nos diz o que somos e fazemos, é fácil. Escola, escola, escola, universidade talvez – mas, e depois? Há quem tenha claramente planeado a jornada que para si deseja, e há, também, quem se sinta perdido. Perdido, porquê? Porque não sendo estudante nem trabalhador, não desfrutando de sonhos nem lutando por eles, carece de amparo perante os ventos que o abalam. Mas não sendo isto nem aquilo, somos sempre mais.
Assim, quem trabalha tem, por outro lado, a tendência a criar com a sua profissão uma relação quase simbiótica. Consequentemente, sem o trabalho perder-se-ia a si mesmo. Sem dúvida que as exigências e a competitividade do mercado de trabalho, hoje em dia, gritam e arranham para que trabalhemos sempre mais e mais, sussurando camufladamente para que nos esqueçamos de nós próprios. Sem dúvida também que, por muito que o que fazemos nos comece a causar dor, queremos, acima de tudo, a oportunidade de continuar a fazê-lo e de extrair, do dia-a-dia cansativo, os possíveis e indispensáveis benefícios. Mas há que pensar que é para viver que vivemos e que enquanto uma profissão é uma profissão apenas, cada um de nós é bem mais do que isso.
Torna-se difícil não estudar nem trabalhar e não ter, assim, uma rotina que segure o dia-a-dia e que nos iluda de que somos o que fazemos. Contudo, aos poucos, vamo-nos apercebendo das capacidades do nosso ser e das potencialidades do que há de mais singular no nosso caráter. Então começa a haver algo mais – mais um apoio, mais uma pedra onde agarrar a mão que escorrega. Ora, mesmo quem imerge demasiado no trabalho e não procura estes outros apoios no mundo, precisa, por vezes, de um escape, de um outro ar, puro e verdadeiro – e então custa a encontrá-lo. Mas existe.
Definimo-nos pela profissão que temos; dispensamos procurar-nos mais para além. Imergimos mais e mais, pois a cada mês, a cada ano, somos mais aquilo que outra coisa. Mas cansa. Não vemos outra opção que não um esforço exponencialmente crescente, mas cansa. E se por ter profissão estamos a salvo da vida e dela nos isolamos, a vida não nos salvará da profissão quando para além dela não nos soubermos já reconhecer. Todavia, estamos cá, e seremos sempre mais que o que fazemos.
Isabel Pinto