Foto: Halloween Vampire - George Hodan
Tudo começa quando reparamos que, no meio do silêncio escuro do quarto, há a possibilidade de haver monstros debaixo da cama. Ou então, de haver bandidos a observar-nos e à espera de uma oportunidade para nos atacar. Por vezes ouvimos passos, outras vezes vemos vultos. Mais tarde, esses monstros tornar-se-ão bem mais reais e esconder-se-ão em sítios bem menos prováveis.
Assim nasce uma das ferramentas mais importantes na garantia da nossa sobrevivência: o medo.
De facto, se não tivéssemos medo de nada, se não nos sentíssemos ameaçados, nunca teríamos a suficiente motivação para agirmos. Não basta termos objetivos e empenharmos esforços em alcançá-los. É preciso também fugir, sabermos o que não queremos, de todo, para nós, ou para os nossos e empenharmo-nos nessa fuga.
Mas uma coisa é o medo adaptativo, outra é o medo inútil. E deste está o mundo cheio. Por exemplo, quando os pais educam os seus filhos usando de um estilo permissivo, aceitando as falhas e desvalorizando as consequências disciplinares que delas advêm, estão a confundir tolerância com o medo de não serem amados e respeitados pelos filhos. Quando paira sobre nós a constante ameaça de um ataque terrorista eminente, estamos a favorecer um clima de crescente desconfiança sobre tudo aquilo que é diferente, como se a diferença fosse sempre (ou, pelo menos, cada vez mais) perigosa. Quando não dizemos o que sentimos, julgando que a liberdade de expressão não é, afinal, lá grande liberdade, estamos a criar a oportunidade para sermos mais e mais manipulados. Quando nos agarramos com unhas e dentes ao mais miserável dos empregos como se de uma tábua de salvação se tratasse, numa economia debilitada, estamos a validar a ideia de que fazemos parte dessa miséria.
Vivemos tempos de medo, uns genuínos, porque fazem parte da sobrevivência diária, outros implantados, porque dão jeito à organização das massas. Vivemos hoje assim, mas, se virmos bem, desde que as pessoas se organizaram em sociedades, vivemos sempre com medo. O medo é uma consequência da ansiedade de perdermos algo. E só não temos nada a perder quando estamos sozinhos. Porque este é o mais temível dos medos. A solidão é uma fera que nos come por dentro, que nos transforma em bichos selvagens. E uma vez bicho, não há medo que nos afete.
Joel Cunha