Foto: Clock - Gerd Altmann
Logo à nascença, é-nos atribuído como companheiro de vida-toda, uma figurinha estranha, um diabinho muito peculiar - meio volátil, meio volúvel, meio sombra, meio raio (-que-o-leve).
Enquanto pequeninos, limitamo-nos a brincar com ele, inocentemente, e deixar que alguém o domine por nós. Depois, aos poucos, mais cedo ou mais tarde, queremos tomar-lhe as rédeas. Com mais ou menos conflitos e tropeções, todos temos pressa de ser amos do nosso próprio Tempo - sofregamente, sem gastar nem um minutinho precioso a aprender a compreendê-lo e a ouvir os conselhos de quem já aprendeu a respeitá-lo, ou de quem o aprisiona cruelmente no sótão, cheio de mofo e bolor... Nem sei se "Gestão do Tempo" consta dos currículos académicos da Vida. Talvez não, ou talvez ninguém esteja interessado. Talvez o Tempo não seja uma coisa com a qual se aprenda a lidar, por ser tão volátil e temperamental. Ele é matreiro, escapa-se-nos entre os dedos, brinca às escondidas nos ponteiros dos relógios (vã tentativa humana de o domesticar!), disfarça-se de Dia e de Noite, finta-nos com os enganadores recomeços - do ano, das estações, das fases com faces novas. Como podemos dar-lhe palavra de ordem, fazê-lo esperar, dizer-lhe que corra, quando temos pressa, mandá-lo ter paciência, quando temos preguiça, enfim, decidir da sua sorte em nosso favor, já que temos que arcar com ele agarrado a nós? Isso deve ser ciência para mentes muito evoluídas e organizadas e divididas em compartimentos estanques, para não haver possíveis perdas de tempo. Não para a minha, com certeza. Refrear o Tempo, acompanhá-lo a compasso ou mantê-lo escrupulosamente aparado, nunca foi a minha arte.
Jogá-lo, jogar com ele, sim, é o meu passatempo predileto. E a culpa nem é de quem me deu as lições, não. A minha fada-madrinha bem me dizia: “Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje!” - que é como quem diz: “Tem sempre (o) tempo à mão para qualquer percalço, previne-te contra atrasos no cumprimento dos deveres que tens com ele, paga-lhe todos os segundos com honra, não regateies com ele o teu futuro, foge à tentação de correres à frente dele, ou, principalmente, de ficares para trás!”. Toda a culpa é só minha, mesmo! Ou então, da qualidade do Tempo que me foi atribuída à nascença...
Se calhar calhou-me por fado um Tempo de fraca qualidade, não sei; um Tempo espírito de contradição, um Tempo demasiado diabrete, ou um Tempo apressadinho, que ninguém quis! O certo é que nunca tive uma relação muito equilibrada e salutar com esse fulano!
E então... pronto, confesso, fui caindo na cilada da rezinguice e teimosia e passei, desde muito cedo, a irritá-lo, a desafiá-lo, a esconder-me dele nos vagares e a correr atrás dele nas urgências. Dá-me um prazer fininho, sei lá, esticar a corda, esticar, esticar... e depois, quando o relógio dele fica sem corda, largá-la de repente. Pim! Jogo tudo, nessas pressas: o meu talento, o meu esforço, o meu sangue e a minha honra. É estimulante, que querem? Saber que está tudo em jogo e que eu consigo vencer o próprio Tempo. É vertiginosa a sensação de fio da navalha a passar-me a micromilímetros do sucesso. É inspirador. É excitante. É gratificante. E arriscado.
Pois. Confesso. Sou viciada – jogo alto. E às vezes até peço emprestado. Endivido-me. Sei que não devo, mas devo. Devo muito à minha maior credora, a minha Vida. Mas quero pagar tudo, tudinho, isso quero. E, acreditem, o que, muitas vezes, me mantém viva é essa determinação, a de não morrer sem pagar à vida todas as minhas dívidas.
E vou esperando ouvir o “croupier” dizer: “Faites vos jeux!”. E vou ganhando tempo ao Tempo.
Teresa Teixeira