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Diariamente, cumpria com minúcia a sua rotina. Acordava, aprumava-se com o seu fato bem passado e asseado, alimentava os peixes do aquário e saía para o trabalho rotineiro no escritório de contabilidade. Durante o dia, raramente levantava os olhos da secretária. Abstraído no seu trabalho, nem reparava nos colegas, aliás estes nunca lhe ouviram uma palavra sequer! À hora marcada saía e regressava a casa para mergulhar nos seus livros, ou então ocupava o tempo a pesquisar e comprar novos livros online. Repetiu todo este ciclo de rotinas anos e anos.
Naquele dia, enquanto tomava o seu café na pausa da manhã, percebeu que os colegas falavam dele, que o achavam estranho e desinteressante, alguns sentiam até medo dele, temendo que fosse um gélido psicopata. Mas o maior choque foi o dar-se conta do nome que lhe chamavam: o Senhor Silêncio! Para eles, silêncio era algo oco, insípido, sem vida. Perguntou-se o que é o silêncio? O silêncio é o som inaudível! O seu silêncio era cheio de vida, um turbilhão de ideias, desejos, pensamentos, sons e movimentos agrilhoados dentro de si, querendo explodir!
Nessa tarde, saiu mais cedo do trabalho e dirigiu-se ao ponto mais alto da sua ilha, uma bela escarpa sobre o oceano. Nunca tinha visitado aquele local e, por entre as árvores, subiu a escarpa até atingir o seu limite. Contemplou maravilhado toda a extensão daquele mar de um azul intenso que se dissolvia na suavidade do azul do céu. Subitamente, um borbulhar de movimentos dentro do seu peito deflagrou num potente, prolongado e lancinante grito que rasgou os céus. Aves esvoaçaram precipitadamente sobre as árvores, o mar agitou-se desenhando ondas gigantes que se desfizeram na escarpa. Liberto de todo um mundo paralelo, encarcerado dentro de si, desceu a escarpa cantando alegremente em direção à povoação.
Tayhta Visinho