Foto: Happy – Melissa Flor
Houve tempos em que me lembro apenas de um silêncio cinzento e espesso que me povoava os dias. Nessa altura, sentia-me como se estivesse largada no mar, ofegante a esforçar-me por manter a cabeça à tona para respirar. Muitas vezes questionava-me sobre o “para quê” de respirar e era então que ouvia um choro ou um riso - foram mais risos, na verdade – de uma criança acabada de nascer. E não tinha alternativa: inspirar, expirar… Porque a vida não parou.
Depois, esse silêncio transformou-se em vozes, revolta, ironia, medo, raiva... Adormecia e acordava completamente exausta pela falta de silêncio, pela confusão. A única forma que tinha de calar esse silêncio ensurdecedor, era ligar bem alto o rádio do carro, com música bem barulhenta, nada de lamechices ou de me trazer memórias! E continuava: inspirar, expirar… Porque a vida não parou.
E como vem a bonança atrás de uma tempestade, mesmo quando é uma daquelas tempestades que brota do mais profundo das nossas trevas, hoje busco o silêncio da tranquilidade, como quem busca a sua própria felicidade. Com o tempo, tenho aprendido a silenciar-me durante os bons momentos para sentir o sabor dessa quietude feliz, para que ao cristalizá-los, me certifique de os vivi com intensidade e de que vão ficar para sempre na minha memória, porque tenho perfeita consciência da irrepetibilidade de um momento. Hoje não me basta pensar que o dia de ontem foi um dia feliz, não, ontem tenho que ter vivido essa felicidade, tenho que ter parado por momentos para sentir aquele momento no momento.
E continuo: inspirar, expirar… Porque a vida não para.
Ana Bessa Martins