Foto: Daisies - Manfred Richter
Vem aí a primavera. É fácil perceber isso, mesmo sem ter descoberto a serventia dos calendários, mesmo não sabendo a dinâmica das rotações, mesmo não conhecendo o poder das sementes, ou a necessidade da chuva, ou a importância do sol. Tudo o que nos é revelado de forma simples é fácil de entender: e o que há de mais simples do que o nascimento de uma margaridinha miúda, no relvado semisselvagem em frente da minha casa? Depois outra, e outra, e um ou outro dente-de-leão. Ao mesmo tempo, as árvores, que passaram a época mais fria despidas e tristes, começam a espreguiçar-se ao sol mais demorado dos novos dias, e dos seus ramos brotam flores magníficas. Nascem de noite, talvez, silenciosamente, para não acordar quem dorme – e é tão natural a sua chegada que os nossos olhos nem estranham as cores novas, antes se agradam e dulcificam, aceitando a simples idade das coisas.
É como nós. É como a vida. A gente nasce e pronto, nascemos, é tão simples. Está tudo previsto, o colo da mãe, a alegria do pai, o berço, o amor, o mundo. E mesmo quando falta, ou a mãe, ou o pai, ou a alegria, ou o amor, ou o berço – ou isso tudo junto – é certo que um colo haverá sempre, seja de quem for. Ainda certo, por enquanto, é também o mundo (até porque sem o mundo, não seria nada simples alguém nascer...). E a ele chegamos nus, puros, inocentes, ignorantes – e nunca, em outra qualquer idade da vida, seremos tão cobertos de simplicidade, tão naturalmente confiantes e espontâneos. O instinto, de imediato, é o que nos serve – e, dali em diante, a Natureza harmonizará as forças para que as primaveras façam connosco o que fazem com as flores: mel, feitiço, esperança; e os estios, o que fazem com os frutos: maturidade, alimento, colheita; e os outonos, o que fazem com as folhas: júbilo, ouro, sangue; e os invernos, o que fazem com as sementes: milagre, criação, sobrevivência.
Mas, entretanto, há todo um processo de complicação, nesse simples decorrer das estações. Crescemos e vamos aprendendo coisas: que às vezes chove, que às vezes está frio, que às vezes dói, que às vezes magoamos. Descobrimos, num processo tão natural quanto simples foi o nosso nascimento, que a vida é confusa, que, não sendo nós seres solitários, nos é impossível manter, tantas vezes, a simplicidade. Ou a liberdade – de o ser e de Ser, simplesmente. O estudo desperta, a experiência ensina: há fios por todo o lado, tropeçamos, caímos, aprendemos, reaprendemos; há, à nossa volta, cotovelos em riste, criamos estratégias de sobrevivência e defesa, mentimos, caímos, fingimos estar bem, rebuscamos em nós o princípio da verticalidade, cedemos outra vez ao vento, inclinando a cabeça a interesses mais altos, a solicitações mais aguerridas, a sofisticações mais apuradas. E lá se vai a simplicidade por completo.
Mesmo com essa consciência, repetimos a frase chave para entrar nos círculos dos jubilados da vida: “A simplicidade é uma arte, atinge-se por refinada estratégia e apurada e experiente habilidade”. Ora! Eu fico na simples idade das coisas – talvez porque ainda reste em mim um bocado de inocência e uma espécie de talento natural para esbardalhar a Vida com que nasci.
Teresa Teixeira