Foto: Barefoot - Rawpixel
Primavera
Debaixo de uma cerejeira
tudo é servido
decorado com flores
Flores de cerejeira no céu escuro
E entre elas a melancolia
quase a florir.
Matsuo Basho
O coração humano pede muitas coisas. Pede a rotina para ter controlo sobre as coisas e confiança para melhor habitar o tempo. Por entre a ramagem dos dias, os sonhos aguardam tímidos. Aqui e ali um raio de sol atravessa as folhas verdes e castanhas. O coração sequioso de esperança, quando as nuvens se acinzentam de chuva, interroga-se sobre o subtil mistério do viver. Pede instantes de alegria para suportar as nuvens de chuva.
Por vezes, o coração pede janelas para arejar e deixar entrar a plenitude do viver na sua efemeridade.
Ao resgatar a vulnerabilidade, abraçar a fraqueza, o quão tudo dói ou se torna demasiado, esquecemos de nos focar no momento. Os sentidos permitem isso, regar melhor as plantas para crescerem fortes. Estender o corpo a notas quentes, como a voz de quem gostamos dizer que nos ama, o frescor da água nos pés ao ritmo das ondas, o som dos passarinhos na lonjura. Este voltar a luz ao que brilha de mais pequeno, à verdade da nossa fisicalidade, permite um encontro connosco no agora e perante tudo o que nos possa assaltar, a certeza do vaivém das ondas. Neste ver o que é invisível, a esperança floresce, ancorada no viver como se estivéssemos enamorados.
No amor, o coração humano regala-se estando em aberto consigo próprio e ao outro. Se entra chuva e vento, granizo, entram também sorrisos e mimos, carinho de toda a espécie pelo espanto que é o encontro com o outro. Como quando banhamos os pés no mar, espantados face à sua beleza e intensidade, felizes por existir.
Maria João Enes