Pedro nascera numa aldeia plana, de casas térreas e brancas cercadas por searas sem fim. Na planura da aldeia destacava-se um pinheiro solitário. Pedro, ainda menino, confidenciava ao irmão:
- Gostava tanto de subir àquela árvore! Ir até à ponta, mesmo até à pontinha, e abraçá-lo.
- És tolo. Ainda és muito pequeno para tão grande subida – dizia-lhe o irmão sem prestar grande atenção. E acrescentava:
- Pois cá para mim, essa árvore devia morrer. Já se viu um pinheiro no meio da planície alentejana? Se não fosse tão grande e eu tão pequeno, deitava-a abaixo.
Os anos foram passando e, à medida que os irmãos iam crescendo, o pinheiro crescia também, numa relação que tornava cada vez mais apetecível e difícil a concretização dos desejos, quer de um, quer do outro. Até que numa tarde de Inverno, uma violenta tempestade atravessou em crescendo a planície, abatendo-se sobre a aldeia. Pedro, abrigado em casa, acompanhava os rugidos do vento, furioso com as casas e os muros que se opunham à sua passagem. A certa altura ouviu-se um estrondo e de seguida o vento parou. Fez-se o silêncio profundo que acompanha o fim das tempestades e, passados minutos, Pedro percebeu que o irmão se aproximava da sua porta. Reconhecia-o pelo som da bengala que o acompanhava há mais de trinta anos.
- Pedro, vais finalmente poder realizar o teu sonho. A tempestade derrubou o pinheiro. Já podes abraçar-lhe a copa.
Pedro fitou o irmão com olhos tristes. Viu-o criança e relembrou as suas palavras de sempre.
- Tu nunca compreendeste o meu sonho porque ele era grande demais. O meu verdadeiro sonho era perceber o que é que um ser isolado e diferente sentia no meio de tanto igual. Nunca o consegui totalmente, mas de certo modo fui compensando o meu desejo por cumprir, ao ver que o pinheiro ia resistindo, vertical e altivo, no centro da nossa aldeia. O teu sonho, que implicava a destruição do meu, realizou-se.
José Quelhas Lima
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