- Gosto muito de ti.
A frase, dita à mesa do café, tão difícil de pronunciar entre portugueses adultos, carrega um peso tal que nos faz questionar intenções, intensidades e consequências. A quem a ouve, mas igualmente a quem a diz.
Fácil – tão fácil!- é dirigir as mesmas palavras a um gato, a uma criança, ou colocá-las na boca de qualquer personagem de romance. Porque nestes casos, quem a ouve ou lê não questiona, pelo menos directamente, não questionando portanto quem a diz ou escreve.
“Gosto muito de ti”. Demorei alguns segundos a responder.
- Eu também tenho uma grande estima por ti.
Propositadamente formal e defensiva, a resposta pretendia baixar intensidades, balizar intenções e prevenir consequências.
Tudo isto se passou há muitos anos, mais de 40, quando a manifestação de um sentimento tão forte entre adolescentes era difícil. Entre adolescentes do mesmo sexo era impensável. E era “proibida” se fossem do sexo masculino.
Se acontecesse hoje, passados mais de 40 anos, seria diferente?
L. matou-se. Não cometeu um acto desesperado e, muito menos, tresloucado. Não pôs termo à vida. Não se suicidou. Não. L. matou-se. Rebentou com os miolos e fez parar um coração a transbordar de sentimentos e desamores. M A T O U - S E.
Que do tempo das respostas propositadamente formais e defensivas me arrependo eu.
L. matou-se porque era homossexual num pequeno mundo faz-de-conta, no qual todos os homens eram machos e todas as mulheres eram fêmeas.
Antes de se matar – soube-o mais tarde – L. procurou os amigos e a todos disse a frase “proibida”. Com o passar dos anos, torna-se cada vez mais claro para mim que a frase não estava completa. “Gosto muito de ti. Diz-me que gostas de mim.” era a frase que eu deveria ter lido nos olhos do meu amigo.
E se eu, acobardado na resposta propositadamente formal e defensiva, lhe tivesse lido o olhar? E se eu lhe tivesse dito, porque era verdade: “ Também eu gosto muito de ti”?
José Quelhas Lima
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