Uma vez tive um amigo. Chamava-se Vítor. Tínhamos ambos doze anos, quase treze. Éramos colegas de turma. Vítor era franzino, corpo imberbe, mas tinha um olhar sério de rapaz mais crescido. Fazia-me lembrar um filho de um alfaiate, porque usava sempre calças de vinco. Apesar de pequeno, ficava sempre nos lugares de trás nas salas de aula, quase sempre silencioso. Dizia-se apaixonado por mim e seguia-me para todo o lado, como uma sombra. Nunca percebi aquela paixão, para mim estranha, e senti-me incomodada. Um dia disse-lhe para me deixar em paz. Ficou silencioso e conteve a custo as lágrimas que teimavam em cair. Senti-me uma pequena bruxa insensível. Percebi a sinceridade e pureza do seu sentimento. Pedi-lhe desculpa e disse-lhe que queria ser sua amiga. Ficamos inseparáveis desde então.
Ficávamos juntos todos os intervalos e conversávamos sobre tudo. Às vezes ficávamos apenas em silêncio a observar os outros a deambularem pelo recreio da escola.
Vítor sabia sempre quando eu estava triste. Vinha de mansinho, pegar na minha mão e dizia-me: - Não fiques triste. Eu estou aqui contigo.
Os meus dias eram mais felizes porque o sabia perto de mim. Não havia nada que eu não partilhasse com ele. Ouviu pacientemente todos os meus relatos enfadonhos sobre o meu quotidiano e acreditou como possíveis todos os meus sonhos. Nunca pediu nada em troca. Ofereceu-me a sua amizade e eu tomei-a como garantida.
Numa tarde de Dezembro, em que aproveitávamos uma nesga de sol de Inverno, perguntou-me sem aviso: - Se eu morresse, sentias a minha falta?
- Mas que pergunta a tua?! Claro que sim. Ele sorriu, satisfeito com a resposta.
Na segunda-feira seguinte, cheguei à escola e não vi o meu amigo à minha espera, à entrada da sala, como sempre estava. Entrámos. Era a aula de Português. O Professor esperou sério, com as mãos nos bolsos, que todos nos sentássemos e disse em voz trémula. - Meus amigos. Tenho uma notícia triste para vos dar. O vosso colega Vítor faleceu sábado passado, num acidente.
E depois… o silêncio…
Olhámos todos para o lugar vazio de Vítor, querendo inteirar-nos da absurda realidade, constatando a sua ausência. Senti que o meu coração parou e que a garganta se fechou, não deixando passar o ar e sufocando o lamento. Fiquei paralisada e as palavras do professor ecoavam ainda no meu cérebro à procura de lógica.
Parte de mim, ficou para sempre suspensa nesse momento de entorpecimento.
Uma vez tive um amigo. Chamava-se Vítor.
Teresa Moura
(Articulista convidada)
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