Forço uma reflexão sobre o tema mas é-me particularmente difícil transcrever para o papel algo de interesse que as pessoas não saibam já, ou não tenham já sentido. E, esta dificuldade é ainda maior por se tratar de um sentimento de enorme simplicidade. De uma simplicidade que chega a ser decepcionante. A amizade é universalmente democrática. Somos capazes de a sentir e de a demonstrar independentemente da raça, credo, género ou idade.
Há alguns anos presenciei uma das mais belas manifestações de amizade entre crianças de tenra idade. No jardim do Marquês, no Porto, existia uma pequena construção onde funcionava uma espécie de biblioteca pública. A construção consistia apenas numa sala com prateleiras de livros e algumas mesas para leitura. A parede virada para o jardim era, toda ela, em vidro. Foi lá que ri até às lágrimas ao ler e reler os livros do Astérix e Obélix, do Tin-Tin e da Mafalda do Quino. À entrada da sala, uma senhora pedia a nossa identificação e dava-nos os livros que requisitávamos. Certa tarde chegou um grupo de meninos, mas nem todos puderam entrar, um dos meninos não tinha idade para andar na escola e não sabia ler; a senhora barrou-lhe a entrada. Muito triste, o menino foi sentar-se encostado à parede de vidro da biblioteca, à espera dos companheiros. Estes, pediram um livro e foram sentar-se numa das mesas junto à parede de vidro. Com o livro encostado ao vidro, o menino do lado de fora conseguia ver as imagens. A adivinhar pelas gargalhadas de todos, só podiam ter os mesmos gostos que eu.
Haverá quem saiba explicar com frases bonitas o que ali aconteceu, para mim, esta partilha simples é, simplesmente, amizade.
Cidália Carvalho