Aristóteles, 384-322 a.C., filósofo grego, citado por Diógenes Laércio em Lives of Eminent Philosophers (1925), refere que dois amigos são uma mesma alma que vive em dois corpos.
É fantástica a frase de Aristóteles e diz quase tudo. Mas será mesmo que amigo é só aquele que conhece e reconhece como sua a alma do outro? E este processo necessitará de tempo para acontecer? Quanto tempo? Ouvimos falar e concordamos com o valor da amizade, o podermos contar com o outro para desabafar, para partilhar alegrias e tristezas, termos como garantido o nosso porto de abrigo, termos aquele que nos conforta mas também nos elogia e crítica e aponta alguns defeitos, enfim, o nosso amigo. E, parece que, para construirmos essa amizade é necessário tempo, disponibilidade e investimento, diria a maioria.
Parece haver vários tipos de amigos. O amigo de infância, o amigo de longa data, o grupo de amigos das saídas e das festas, o amigo biológico, aquele em quem confiamos para partilharmos os pensamentos, aventuras e desventuras. São muitos e muito variados e servem propósitos muito diferentes. Arriscaria a comentar que a amizade pode também assumir várias formas.
Assim, perdoe-me o amigo leitor, já que neste momento apetece-me lembrar outro tipo de amigo. Aquele que só vemos uma vez. O de circunstância. O temporário. O efémero. Será que haverá legitimidade para chamarmos amigo àquele que, numa estação de comboios de uma qualquer cidade, nos estende a mão num momento de aflição e nos cede toda a atenção e tempo, mesmo que sejam dez minutos, e sem nos conhecer de lado algum nos presenteia com o seu ouvido atento, confiança e com um abraço e com um aperto suave de mão?
E se cedermos alguma disponibilidade, juntamente com uns dois euros e alguma companhia em silêncio a uma senhora que, com ar desgastado e envergonhado, pede esmola junto à confeitaria onde habitualmente, entramos? E se partilhamos um pequeno-almoço? Será que esse instante, esses doze minutos serão lembrados e relembrados e contados como preciosos pelos dois amigos?
Será que, num fim de tarde, quando se deixa para trás um compromisso e nos dedicamos a uma velhinha que se apresenta sentada no cercado de pedra da igreja, de cabeça entre as mãos e entre os braços e que chora compulsivamente, só e desolada, podemos chamar de gesto de amizade?
Perguntei à Inês, que tem 9 anos, o que é um amigo e, prontamente, respondeu, alguém em quem confiamos. Nada mais. Eu acrescento, mesmo que isso esteja circunscrito a minutos, nesses momentos há, com certeza, confiança.
Gosto de sentir a amizade também desta forma. Momentos, instantes, ocasiões únicas, com o amigo de longa data, ou não, com aquele que cresceu connosco e partilhou muitos segredos e que conhece a nossa família e esteve presente em festas e celebrações que marcam pontos de viragem, e conhece as nossas alegrias e inseguranças, ou com o colega de trabalho que num instante nos acarinha quando as emoções estão ao rubro e, suavemente afaga o nosso braço num gesto de compreensão e carinho, ou com aquele senhor do quiosque, de longos bigodes e óculos mal posicionados no nariz que reparou no nosso estado de angústia e nos cedeu um pouco do que é seu.
Eu gosto de me lembrar destes. Os “amigos” que deixam um sentimento de que ficou algo por dizer e agradecer e muito por partilhar e que nunca mais vimos e que têm um lugar cativo, um espaço importante na nossa memória e que desejamos um dia, quem sabe, talvez reencontrar uma vez mais.
Eu gosto, particularmente de recordar, com nostalgia, também os amigos que passaram a correr, quase sem parar, pela minha vida.
Ana Teixeira