Foto: Tool Kit – Anna Langova
Há uma relação entre os tempos e o tempo. Ao que parece, temos hoje menos tempo do que noutros tempos tínhamos. Engendramos novas formas de vermos a nossa vida facilitada para, a seguir, a termos mais difícil que nunca. Queixamo-nos de que não temos tempo para nada, que o dia passa a correr, que estamos constantemente atrasados. Sacrificamos o sono, as refeições, a companhia dos amigos para podermos cumprir com a nossa agenda transbordante de compromissos. Nem calculadoras, nem telemóveis, nem computadores superpotentes nos livram da ideia de que estamos, quase todos, atrasados em pelo menos duas semanas em relação a tudo. Ah, duas semanas dariam agora tanto jeito!
Estamos tão mergulhados nos nossos afazeres que nem nos apercebemos que a idade vai passando. E a altura certa para fazermos certas coisas já lá vai há mais de duas semanas. É como se quiséssemos viver toda a vida num só dia, aqui e agora, condensadamente. É como se a vida se fizesse de coisas tão imediatas que só se destinassem a consumo. A contemplação, isto é, o ato de parar, sentir, interiorizar e refletir, é praticamente impossível nos dias que correm. A menos que o façamos em espaço próprio, climatizado, devidamente orientada por um instrutor credenciado, paguemos e possamos postá-la numa qualquer rede social.
O problema é não sabermos o que fazer ao certo com o tempo. É termos a sensação pecaminosa de que o tempo sem ocupação é tempo de vida desperdiçado, como se todos os segundos contassem.
Duas semanas dariam imenso jeito para fazermos tudo aquilo que está na prateleira à espera de tempo, como por exemplo telefonar ao amigo com quem já não falamos há mais de dois anos por falta de tempo, cortar as ervas daninhas que há mais de dois anos devoraram o jardim, ou devolver a chave-de-fendas ao vizinho que há mais de dois anos espera por ela e que, entretanto, optou por comprar um conjunto completo de chaves que servem para consertar tudo, poupar tempo e, ao mesmo tempo, porque a mala é pesada, não servem para nada.
Ter a vida em atraso permanente é consequência direta de duas condições: 1) criarmos mais necessidades do que aquelas para as quais teremos efetivo tempo de satisfazer e, 2) nem sempre fazemos o que temos que fazer na hora certa, até porque os nossos recursos energéticos são limitados e por vezes arreamos.
Com duas semanas atualizaríamos toda a vida. Mas no fim dessas, precisaríamos de outras duas.
Joel Cunha