O som estridente da campainha fez-se ouvir à hora e ao minuto esperados. Seguiu-se o habitual burburinho que pontuava o final de uma aula e os corredores encheram-se de um movimento repentino e caótico. Mas houve uma exceção naquele dia.
Na sala do professor Borges, conhecido pelas suas ideias excêntricas, os alunos permaneceram na sala, imóveis, calados e de olhos fechados. O professor dedicara a aula ao tema da reflexão e pedira aos seus alunos que prescindissem do tempo de recreio para pensarem sobre o passado, o presente e o futuro. “O recreio seria o intervalo entre o passado (esta aula) e o futuro (a próxima aula). Pensem nisso durante 15 minutos. Falaremos disso na aula seguinte. Peço-vos”.
- Claro que sim, João, podes começar tu.
- Eu penso que o presente é sempre um intervalo. Se estou a jantar, estou no intervalo entre a minha vontade de comer e a digestão. Se estou a fazer a digestão, estou no intervalo que me levará à próxima vontade de comer. É assim que eu penso.
- Muito bem, João, muito bem explicado. Sim, tu, Mário, o que nos tens a dizer?
- Eu acho que o intervalo é o que nos liga o passado ao futuro. Temos um passado e agora estamos a passar pelo intervalo que nos vai levar ao futuro que nos espera.
- Sim, Alberto.
- Eu não concordo com o Mário.
- Porquê?
- Porque o passado já passou e o futuro ainda não existe. E o intervalo, o presente, é que vai ditar qual será o futuro.
- Como?
- Escolhendo o que fazer no presente para termos o futuro que desejamos. Poderíamos ter ido para o recreio para mais umas correrias, mas ficamos na sala a refletir. Assim, o nosso futuro poderá vir a ser um pouco melhor.
- Obrigado a todos. Estou, mais uma vez, orgulhoso dos meus alunos. Faltam vinte minutos para acabar a aula, mas estão dispensados. Podem ir correr para o recreio porque é tão importante refletir como correr e saltar. Já agora, a próxima aula será sobre o tema da… depois eu digo. Vão correr e saltar e gritar.
A voz embargada do professor Borges denunciava a emoção que sentia. Eram momentos como aquele que confirmavam a escolha que fizera há muitos anos atrás e o convenciam que a melhor avaliação dos professores, a única verdadeiramente válida, é feita pelos alunos.
José Quelhas Lima