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“Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
a luz, a glória e o brilho do teu ser.
Amei-te em verdade e transparência
e nem sequer me resta a tua ausência.
És um rosto de nojo e negação.
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.”
Sophia de Mello Breyner
Espero que estejas bem. Sei que da última vez que te vi estavas um pouco fugidia e distante, parecia que me evitavas ou que não te sentias bem ao pé de mim. Achei-te com o cabelo em desalinho, olhar a vagar no fragor do horizonte, por dentro.
Acho que me disseste que tinhas ficado desiludida com alguém importante. Que essa falta estava marcada em ti, como se falássemos do recorte a tracejado das vítimas de séries de crime. Devia ser mesmo importante esse alguém, nunca mais disseste palavra sobre ele.
As marcas do que já passou ainda doem? Como passas os teus dias?
Ajuda partilhar com quem escute as lágrimas do sentimento ressequido e os gritos, sem interromper. Acho que a dor não se compraz com anúncios de dez em dez minutos, ainda que tenhamos de esperar, por vezes, por quem nos ouve com muito colo.
E a zanga Maria, o que é feito dela? Sei da tristeza que fica um tempo, ali sem nada, a hipnotizar-te. A rejeição também mas e a zanga? Ah sei, é fazer exercício físico, focar no trabalho e carregar no acelerador do carro. Mas sabes Maria, se vires da zanga manda-lhe um beijinho, gosto de a ver, mesmo quando ela é incómoda porque ela pá, ela sabe de coisas que nem eu nem tu desconfiamos.
Bem, esta carta já vai confusa mas era para te dizer que se precisares de alguma coisa diz, nem que seja ir tomar café ou ir para a fila das finanças.
Queria dizer-te que és importante para mim. Para tudo o resto, respiremos.
Maria João Enes