Faço parte da escandalosa percentagem de licenciados que não está a trabalhar na área em que se formou, mas na que encontrou. Tudo começa assim, não é aquilo que queremos, não foi para isso que estudámos, mas foi o que se arranjou, que a vida não para e, para cumprir alguns objetivos é necessário abdicar de outros, ainda que pensemos que seja temporariamente. Mas efetivamente a vida não para e passa… Infelizmente, no país em que vivemos, com a conjuntura atual, não há espaço para muito mais. Ponto.
Com efeito, abdicamos do sonho de exercer a nossa profissão, para sermos profissionais noutra área completamente diferente. Li um dia que a virtude não está em fazermos aquilo de que gostamos, mas sim gostarmos daquilo que fazemos. Ora eu não desgosto daquilo que faço, ao contrário, até considero algumas tarefas bastante interessantes e enriquecedoras. O que me aborrece e frustra é o facto de saber que sei fazer mais e melhor, não ali, mas naquilo que eu escolhi. O que me deixa furiosa é ser suscetível de levar com atestados de incompetência de miúdos de Bolonha acabadinhos de sair do forno. Mas a culpa não morre solteira e reconheço que esta frustração só passará quando um dia conseguir aventurar- me a um novo voo, a sair da minha zona de conforto e procurar um novo emprego que não me faça sentir tão subaproveitada e castrada. Há que pensar positivo.
A outra alternativa, se se quer mais e melhor – mesmo não sendo na nossa área – é ter uma considerável dose de coragem e empreendedorismo, e emigrar, partir e deixar para trás quem se ama, abraçar uma nova etapa que inicialmente será chamada de aventura. E para quem fica, como é o meu caso, é vê-los partir e ficar a aguardar cada migalhinha do tempo de que dispõem para estarmos juntos, a cada regresso nas férias. Mais nada.
E neste contexto de idas e partidas, só não voltamos ao espírito de emigração das décadas anteriores, em que só víamos os tios e os primos nas férias, porque as ferramentas e os meios de hoje são mais e melhores. Hoje em dia, os portugueses já não vivem na aflição de verem chegar os seus entes sãos a salvos depois de dois dias ou mais de estrada, porque o avião está a tornar-se um meio mais comum de transporte, mais rápido e, dizem, mais seguro. E melhor, a carta foi substituída pela Internet, Facebook, Instagram, Viber, Skype e sucedâneos… Mas são presentes envenenados pois, mesmo assim, não nos livram da amargura de vermos a nossa família ampliar-se do outro lado do mundo e da saudade dos amigos de sempre, que agora estão sempre do outro lado do ecrã e nunca ao nosso lado, a tomar um café, a conversar, a caminhar, ou simplesmente ao nosso lado.
Eu por cá vou resistindo, até porque não tenho alternativa, embora às vezes resistência e medo nem sempre caminhem muito longe um do outro, mas não garanto que um dia, reunidas as condições mais básicas e familiares, não deixe este país que eu tanto amo e que tanto me tem desiludido. Nada é garantido, pois não? A única certeza que tenho é que tal como repito ao meu filho “as Mães amam sempre os seus filhos”, também vou amar sempre o meu país, independentemente de tudo. Quem é português ama sempre o seu país, porque é também isto que nos define: a nossa portugalidade, intrínseca a cada gesto, o nosso regionalismo a cada palavra, a nossa alma poética de ser lusitano. Quem é português nunca deixará de o ser. Ponto.
(Só temos é que ter muito cuidado, porque estamos a ficar afónicos e um povo sem voz não me parece saudável.)
Ana Martins