Estou sempre a ouvir a mesma pergunta: “- Porque que és como és?”.
- O que tenho de fazer para me explicar?!
E eu pergunto: “- Terei mesmo de me explicar?”.
Deixei de confiar, já há muito tempo, nas pessoas, prefiro andar à volta no meu bairro, fazer o que me dá na gana e não me preocupar com o resultado.
No tempo em que os animais falavam, eu confiei em alguém, alguém que se apresentou como meu amigo:
- Henrique. Sou teu amigo e nada quero de ti. - respondeu ele à minha pergunta: “Quem és tu? O que queres de mim?”.
Durante um tempo acreditei mesmo que a sua amizade, a forma como me tratava seria o que eu precisava para confiar em mim e mudar de rumo na vida, ser talvez o que a minha avó sempre quis que eu fosse, um rapaz ajuizado com um lugar na sociedade.
Mas lá chegou o dia em que o conheci e a minha ilusão foi destruída, não podia tratar-se de um amigo. Ouvi as minhas confidências serem usadas contra mim em forma de crítica, a forma como falava comigo e sobre mim faziam-me sentir reles, compreendi o seu egoísmo e como apenas servi os seus interesses. “ - Mas eu fui teu amigo.”. - disse-me certo dia quando confrontado com a minha magoa. Fiquei calado, mas quis dizer que preferia que nunca o tivesses sido, pois descobrir que tudo era mentira, uma farsa foi bem pior e acabou por destruir a minha última esperança na bondade da raça humana.
Por isso prefiro ser o que sou. Aqui no bairro têm medo de mim, dizem que sou violento, que roubo, que tenho um bando. Assim não espero nada, não tenho nada e provavelmente não sou nada.
Susana Cabral