Era o teu 2º aniversário, e estava desejosa para chegar a casa e poder passar o resto do dia contigo... Estava a chover e o trânsito estava ainda mais louco que o habitual. Em poucos segundos deixei de ter noção do que se passava, reinava o caos. Dei por mim deitada no frio do asfalto e adormeci. Algo se tinha passado, mas não tinha forças para questionar... Vieram as ambulâncias, os bombeiros e eu apenas deixei levar-me em silêncio, sem perguntas nem choros.
Passaram-se horas, dias, não sei quanto ao certo... Quando acordei estava deitada numa cama de hospital. Era essa a altura de me questionar, de questionar sobre o que se tinha passado. Olhei em redor e não havia ninguém. A sensação que percorria o meu corpo não era boa, sentia-me perdida em mim, apenas desconhecia ainda a verdadeira razão. Foi quando chegou o médico, observou-me e começou a contar-me o que eu não me lembrava: Tinha tido um acidente com um camião e tinha sido projectada do carro. Passado pouco tempo cheguei inconsciente ao hospital, fui operada mas infelizmente não tinham conseguido travar as lesões da coluna e estava agora paraplégica. - "Como??" - Gritei. Fechei os olhos com toda a minha força. "Foi um sonho mau", pensei e fiquei assim por muito tempo. Quando abri os olhos estava novamente sozinha. Tentei contrariar tudo o que me diziam mas sabia que seria uma tentativa em vão... Tirei os cobertores e olhei para o meu corpo assim sem vida... Era este o meu final, um corpo deitado à mercê dos outros...
De repente, entraste naquele espaço. Reconheci a tua gargalhada, a tua expressão contrastava bem com o meu estado de espírito... Olhei-te em silêncio, o meu pensamento foi de desilusão... "Que raio de mãe foste tu arranjar? Que desilusão serei para ti?" Mas tu olhaste para mim e disseste aquela palavra mágica: "Mamã!" Vieste para o meu colo e sorriste. Sorriste para mim como sempre o fizeste. Naquele momento senti que não poderia deixar-me abater, que não poderia deixar de lutar... Por ti simplesmente não podia! E foi assim que se deu a minha iniciação para uma luta eterna, uma luta por um gesto meu, por muito pequeno que fosse...
Hoje, passados tantos anos, a vida vai correndo ao sabor de pequenas vitórias. Hoje sou independente dentro da dependência. A minha vida não voltou a ser a mesma, mas tentei minimizar os danos daquele momento que nunca me consegui lembrar... Guardo em mim aquele sorriso que me deste, aquela força, aquele amor desmedido, e é esse amor que me move... em cada momento deste regresso à vida.
Cátia Azenha (articulista convidada)