25.10.11

 

Sempre gostei deste canto da casa, um refúgio junto à janela mágica, onde contemplo a planície que se estende a perder de vista. Aqui sinto paz, sempre senti. Imagino que me diluo na paisagem, escondendo-me entre os girassóis imponentes, bailando nos braços do vento quente. Evado-me da vida que queima e voo solta dentro de mim.

Hoje não tenho os hábitos de sempre, estou tão perdida, não sei que rumo dar às horas. Dizem-me que tenho de voltar à vida mas apetece-me gritar que a única vida que conheci acabou agora, abruptamente. Hoje, a paz não me envolve. Cozinho compulsivamente, coloco o teu prato na mesa como sempre fiz, ornamento-a com flores e sento-me à tua espera. E depois choro, enchendo o copo do vinho que não vais beber, imaginando-te dentro do poço onde te encontraram duas semanas depois de teres desaparecido. Disseram-me que não foi a queda que te matou mas que morreste à fome. Gostava que me tivessem ocultado este pormenor. A imagem do teu sofrimento na minha cabeça atordoa-me. O fim. Pela primeira vez em muitas décadas desejei que tivéssemos tido filhos. Vida para além da nossa vida.

Conheci-te muito jovem. Mostraste timidamente interesse em mim e falaste com o meu pai, pedindo a minha mão em casamento. Achei o ato tão romanticamente ousado! Gostei do teu ar reservado, da tua tez morena de homem do campo, do teu corpo talhado para o trabalho, forte e frágil ao mesmo tempo. Pensei que debaixo dessa timidez inicial, se escondia um homem apaixonado, intenso, falador. Sonhei ser deslumbrada por ti, todos os dias, arrancada à monotonia de uma vida estéril e enfadonha. Desejei que me arrebatasses a alma amando-me o corpo. Demorei anos a perceber que sempre te havias mostrado tal e qual como eras. Desde o primeiro instante. Apenas a minha vontade cega de que os meus desejos se realizassem me impediu de o perceber quando devia. Ao fim de três anos de casamento, mornos -quase frios, senti-me absolutamente frustrada. Abalei para casa dos meus pais. Perguntava-me, incrédula, a minha mãe: “Ele bate-te? Trata-te mal? Bebe? Então, rapariga? Não entendo…” “Não, mãe, não. Sou infeliz. Vivo no silêncio de uma vida gritante.” Despacharam-me com um par de estalos bem assentes e o seguinte recado: “Volta para o teu marido. É ao lado dele que deves estar. Tem vergonha, tiveste mais sorte do que mereces.”

Regressei e nunca mais voltei a partir. Não me questionaste, não gritaste, não brandiste a espada do marido punitivo. Não escarneceste sequer do rabo que, nesse regresso, eu trazia entre as pernas… Adaptei-me a nós e fiz o possível por aprender a viver no teu silêncio e a decifrar as tuas nuances. Chamavas deleite a deitares-te em cima de rochas. À solidão acompanhada. Chamavas afeto às três vezes por dia em que os teus olhos encontravam os meus de forma acidental. Chamavas casamento ao ato de trazer uma aliança no dedo e de fazer amor, na maior escuridão possível, uma vez por mês, durante trinta anos. Sempre que saías de mim, deixavas-me mais vazia do que estava antes de me encheres de ti. Talvez por isso o meu útero nunca nos tenha brindado com vida. Chamavas algo a tudo menos a mim. Nunca fui “querida”, “amor”. Nunca me senti a tua metade, a minha viveu sempre incompleta. Chamavas a noite para que cessasse o dia e pudesses fechar os olhos. E eu, de tanto te chamar, fiquei cansada. Deixei de esperar para não me desiludir. Aprendi a conter o grito dentro de mim e a domar as lágrimas. De tal forma, que nem no teu funeral consegui chorar. As minhas lágrimas já não conhecem o caminho de saída para o exterior.

E agora que a tua comida arrefeceu na mesa, sento-me de novo aqui, junto da tal janela que a planície torna mágica, e dou-me conta de que sinto a tua falta e que tenho saudades de tudo que levei anos a abominar. Devia sofrer – sinto que sim - mas o reservatório da dor há muito se escoou. Estou vazia… Sofre-se até à exaustão mas depois não se sofre mais porque não há mais nada em nós que possa ser ferido.

 

Alexandra Vaz

 

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7.5.10

 

  

Vamos morrendo ao longo da vida. Morremos todos os dias um pouco, ao mesmo ritmo que vamos renascendo, que nos vamos renovando. É como se as mortes fossem passagens, portas de transição obrigatória, marcos que indicam o caminho a seguir. Será provavelmente esse o sentido da vida: uma caminhada solitária.

No instante em que tomamos consciência da nossa finitude passamos a viver condicionados pelo tempo, em função do prazo. E aqui reside a origem do medo, da protecção e da crença. Passamos a ter medo de morrer, a proteger a vida e, dada a inevitabilidade do fim, a creditar em soluções para a morte. Tal como a vida, que pertence a um só ser, com a exclusividade e as características que lhe pertencem, também a morte é uma caminhada solitária. Cada um sabe sobre a morte um pouco mais que o vizinho. Cada qual sente a morte à sua maneira.
 
Vejamos o exemplo daquele que acaba de ser informado de que a falência progressiva do seu organismo determinou uma data mais ou menos próxima para morrer. Começará por negar, duvidando por vezes da sanidade mental do clínico. Enraivecer-se-á depois, distribuindo em redor e sobre si mesmo violentos protestos e musculadas manifestações de revolta. Tentará negociar a vida, prometendo sacrifícios para obter a reversão do processo degenerativo. Entrará em profundo estado de tristeza quando se aperceber que nada há a fazer. E aceitará enfim, desprovido de emoções, o desfecho.
O mesmo acontece com aquele que é enganado pela companheira. Porá em causa tudo o que lhe dizem a esse respeito, questionará a objectividade das provas que vai recolhendo e escudar-se-á na crença de que o comportamento dela foi motivado pelo stress. Revoltar-se-á contra ela, contra terceiros e contra ele mesmo. Prometer-lhe-á mudanças estruturais de personalidade se ela reconsiderar. Remeter-se-á à depressão quando tomar consciência de que a perdeu. E, instalado o hábito, conformar-se-á com o recém-adquirido estado de celibato.
 
Nestes exemplos, tal como noutros em que o resultado é a perda iminente de alguém ou de algo importante, o percurso é quase sempre e mais ou menos este: negação (dúvida), raiva (revolta), negociação (reversão), depressão (ensimesmação) e aceitação (conformação).
Este caminho, o que antecede a derradeira porta, que é longo e penoso, tem por grande característica a solidão, a solidão mais profunda. O caminho solitário parte de nós e em nós termina.
 

Smith

 

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9.3.10

 


 


Na varanda do topo do prédio, olha as gaivotas livres e desafiantes, e sente na alma um desgosto profundo de não ser assim livre como elas.

- Dona Maria, bom dia!

- Bom dia, vizinha! Ainda em casa?

- Sim, hoje vou mais tarde para o trabalho! E a vizinha, vai ficar aí a ver as gaivotas? Vá dar uma volta senhora! Hoje até o sol veio espreitar…

- Talvez vá lá abaixo comprar qualquer coisita…

- Bom, tenho de ir… mas olhe, não se fie nas gaivotas! Elas só fazem troça de si… compre um bichano… até logo!

- Até logo… - suspirou a Dona Maria com desalento.

Dona Maria é uma típica senhora do bairro, divorciada, com uma filha, vive sozinha numas águas furtadas da capital. Está reformada, não por alguma incapacitação, mas porque a idade chegou e agora ela é apenas mais um número nas estatísticas. Passa os dias na pouca lida doméstica, mas para além disso, nada faz, para além de ver televisão. De vez em quando, toma café com uma das ex-colegas do serviço, mas isso já é raro. A família mora longe do furor da cidade e por isso só nos dias festivos é que há reuniões familiares. Dona Maria sente-se só, olhando da varanda um mar de gente. Mas, mais do que isso, sente-se inútil e sem vida. Sempre fora uma mulher cheia de vida, mesmo que a vida nem sempre tenha sido carinhosa com ela, porém o fim da vida activa tornara-a amorfa. Já não tinha um propósito, porque tudo aquilo a que a sua vida se resumia tinha acabado, ou seja, o trabalho. O resto já era hábito.

Nessa tarde, Dona Maria decidiu descer à civilização. Foi à padaria, ao talho e tomou um cafezinho na confeitaria da esquina. Estava ela sentada no seu recanto quando se depara com um folheto que dizia: “Precisamos de si!”. Aquela mensagem atingiu-lhe directamente o coração! Intrigada, desdobra o folheto e começa a ler. Tratava-se de um serviço de voluntariado, no qual pediam voluntários para trabalhar com populações desfavorecidas. Bastava ter um coração aberto, vontade de ajudar os outros e ter algum tempo disponível: “Dê um novo sentido à sua vida, ajudando os outros!”.

- Bem, tempo tenho eu! – pensou a Dona Maria.

- Vieram cá uns jovens entregar esses folhetos! – disse a empregada.

- Ah, sim?! Uns jovens… pois, eu já sou velha para isto – desabafou a Dona Maria.

- Velha?! Desculpe, minha senhora, mas não tem cara de velha! Por acaso tem 80 anos? Hoje em dia velho é dos 80 para cima!!! – reclamou a jovem empregada.

A Dona Maria soltou uma gargalhada.

- Muito obrigada minha filha, já me sinto jovem outra vez!

- Olhe, porque não experimenta? Os jovens disseram que precisavam de pessoas, e como a senhora tem tempo livre… - desafiou a empregada.

Dona Maria voltou ao seu refúgio, ainda imersa no folheto que trazia no bolso… tempo tinha ela… e coração com certeza… e precisavam dela. Havia algum tempo que sentia que não era precisa para nada. Olhou o telefone com receio. Ligo, não ligo? Ligou.

Passada uma semana, Dona Maria dirigiu-se ao centro de voluntariado. Ao entrar na porta sentiu um arrepio, como na primeira vez que foi a uma entrevista de emprego. Porque se sentia assim? Foi recebida calorosamente pela coordenadora e falaram sobre as actividades. Sentiu-se invadida por um sentimento de alegria inexplicável, quase como uma adrenalina, um pulsar nas veias. Saiu orgulhosa por ter entrado.

Hoje, a Dona Maria já não olha as gaivotas do topo da sua casa. Dedica o tempo que pode ao serviço dos outros e sente-se livre. Tem uma nova família e encontrou um lar nos colegas e nas pessoas que ajuda todos os dias. Sente-se útil e integrada de novo no mundo que outrora lhe recusava um lugar. Sente que a vida começou de novo, que ainda tem muito para dar. Tem também um novo companheiro de casa, o Tobias, que passa muito do tempo nocturno a vaguear nas ruas, mas volta sempre para escutar as inúmeras histórias que a dona tem para contar.

 

Cecília Pinto


 

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28.8.09

 


 


"Dói-me a alma..."

Desde miúda que ouvia o meu avô dizer esta expressão. Mais velha, lembro-me de ouvir a minha mãe. E nunca entendi.

 

Hoje entendo. Hoje consigo perceber o que eles queriam dizer com aquilo. Hoje posso dizer que sei, porque já senti.

É aquela dor que vem lá do fundo, que se sente com todas as partículas do corpo. Aquela dor não física mas tão real, que chega mesmo a doer.

As palavras faltam, a vontade falta, a disposição deixa de existir. É um misto de tristeza com depressão. É não estar bem em lado nenhum, não haver nada que nos faça mexer, andar, sorrir, querer. É não deixar de respirar porque é uma função inata... porque se não o fosse, acredito que muitas vezes iria deixar de o fazer.

É o não saber o que se quer, ou pior, não se querer nada. É as lágrimas viverem, durante horas, ou dias, no limbo... prestes a saltarem. É o querer dormir até mais não, mas com a consciência de que o sono vai ser horrível.

É desejar, às 8h da manhã, que sejam depressa 19h. É começar um conversa e lá no fundo desejar que a pessoa se cale o mais depressa possível. É o querer fugir de todo o lado. É o não estar bem nem com nós mesmos. É o querer fazer reset à vida, querer morrer e acordar outra vez.

É tudo o que se ouve que não chega. Tudo o que se diz não é suficiente. Não há carinho que nos acalme, não há abraço que nos tranquilize. Não há nada. Só nós. E isso não é suficiente.

 

É sentir dor física em algo que não existe... a alma.

 

Filipa Pouzada

 
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18.8.09


  


Podia escrever sobre o que de bom existe, ou me faz sorrir.


Podia escrever sobre o que me faz ficar triste.

Mas neste momento só me apetece escrever sobre o vazio que sinto, aqui, dentro de mim. Sinto um frio, físico, dentro do meu peito. Acho que é mesmo na alma. Não sei. Neste momento não sei nada, só sei que tenho este vazio. Preenchê-lo com quê? Com um abraço? Uma festa na cara e uma mão pelo cabelo?

Não… não me imagino a deixar ninguém fazer-me isso. Não quero que entrem neste meu espaço, neste que é o meu sítio. Não quero ninguém que me roube a respiração, o sono, a fome. Quero ser só eu, auto-suficiente. Sei que me estou a habituar demais a esta solidão, mas gosto da minha companhia, não sinto falta de mais ninguém.

Quero estar aqui, no meu canto, só pôr a cabeça de fora quando me apetecer, só ouvir, estar ou fazer, quando cá dentro tiver vontade.

E não tenho. Neste momento a vontade é nula. Neste instante nem os lanches ao domingo em casa da avó me fazem sair daqui.

Faço as coisas por obrigação, faço tudo sem vontade.

Quero o sol. Quero os dias grandes, quero sentir na cara uma festa quente, que me faça abrir um sorriso. Preciso disso para viver…

Quero sair daqui, para um sítio onde ninguém me conheça, onde ninguém precise de mim. Quero sentir que também posso precisar de alguém. Preciso de precisar. Preciso de ter alguém que me pergunte como correu o meu dia, as minhas consultas, que se preocupe. Em quem e com quem eu possa ser eu, sem muros, tijolos, pedras e afins.

Sinto que estou a passar pela vida, em vez de ser ela a passar por mim. Preciso de me sentir viva outra vez. Acordar de manhã com vontade de sair da cama, sorriso aberto nos lábios e vida a correr-me nas veias.

Já dizia o outro:

"As ínfimas partículas que me fazem sentem-se tristes hoje, pelo todo de que fazem parte...".

 

Filipa Pouzada

 
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17.4.09

Às 9h, o Pequeno Auditório do Rivoli, gentilmente cedido pela Câmara Municipal o Porto, estava pronto para receber os participantes, na sua maioria estudantes, para assistirem a mais um simpósio Mil Razões…, sobre Os Caminhos da Solidão.


Na régie ultimavam-se as afinações técnicas.

 


 

O Dr. José Ferreira dos Santos do Secretariado Diocesano da Pastoral Social e Caritativa - Diocese Porto, subiu ao palco para dar início aos trabalhos.

 


José Ferreira dos Santos

 

O Mestre Rui Duarte, da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental - Porto, apresentou o seu trabalho sobre solidão, elaborado junto de um grupo de pessoas dos 20 aos 51 anos. O grupo estudado é muito especial porque se trata de pessoas com deficiência mental. O resultado do estudo foi surpreendente pela “normalidade” das respostas. À pergunta: “O que é a solidão?”, 50% deles não sabia dar uma definição, os outros 50% deram a definição do dicionário. Curiosamente verificaram-se as mesmas percentagens quando o Mestre Rui Duarte fez a mesma pergunta à assistência.

Surpreendentes foram as respostas dadas à pergunta: “O que sentes quando estás sozinho?”. “Medo”, “Não gosto”, “Sinto-me bem”, foram algumas das respostas. Um dos entrevistados referiu que sentia que estava a escrever à mãe...

 


Rui Duarte

 

O Padre Lino Maia tipificou as várias solidões: o isolamento das pessoas do interior, os bairros sociais, os desempregados, os doentes e os idosos. Pôs a tónica nos afectos como remédio para a solidão.

 


Lino Maia

 

O Mestre Ivandro Soares Monteiro mostrou-nos como o funcionamento fisiológico pode ser potenciador da solidão.

 

O Professor Abílio de Oliveira terminou o Painel da Manhã de forma brilhante, convidando-nos a ouvir, em silêncio, músicas dos The Cure e dos Joe Division. A música era acompanhada de imagens fortes de jovens que, desafiam a morte para conquistar a vida...

 


Rui Duarte, Alexandre Teixeira, Ivandro Soares Monteiro e Abílio Oliveira

 

O Painel da Tarde, moderado pelo jornalista Carlos Enes, começou com o Professor José Eduardo Rebelo que nos lembrou a necessidade de fazer o luto para que o ente querido, perdido, se instale como doces e suaves memórias.

 

  

José Eduardo Rebelo

 

O Professor Carlos Mota Cardoso, tranquilamente, falou-nos de estados tão fortes como a morte, a comunicação e a solidão sentida, ainda que, e paradoxalmente, muitas vezes não estejamos sós.

 


Carlos Mota Cardoso

 

Emocionante, foi também a história de José, personagem de uma das histórias do livro do Professor José Machado Pais, para o qual a solidão existe porque, simplesmente, existe o desencontro...

 


José Machado Pais

 

O Professor Pinto da Costa trouxe-nos a visão de que, no Século XXI, o Homem vive comprimido num quadrado cujos lados são a prostituição, a droga, o tráfico de influências e o tráfico de armas e que, para a sobreviver, o Homem, está cada vez menos humanizado e mais mecanizado.

 


Pinto da Costa

 


José Machado Pais, Carlos Enes, Pinto da Costa e Carlos Mota Cardoso

 

Os trabalhos encerraram com a intervenção da Dr.ª Matilde Alves, Vereadora da Câmara Municipal do Porto e Presidente do Conselho de Administração da Fundação Porto Social.

 


Matilde Alves

 

Cidália Carvalho

 
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2.4.09

 


 


Solidão, diz o dicionário, é o estado do que está só.

 

Sabemos que aquele que está só pode sentir-se feliz ou não… de todo. O que leva a pensar que solidão não é apenas o estado de estar só. A palavra que tem graves conotações - de desventura, de mágoa - representa também um sentimento.

 

Como sentimento, pode querer dizer abandono. Abandono, desistência, repúdio, desamparo… Que será consequência de incapacidade natural de comunicar – de ouvir e de falar com os outros. Ou pode ter outras origens: a desestruturação da família tradicional terá acabado com a afectividade social fácil senão espontânea. Poderá ser questão de temperamento?

 

As pessoas incapazes de dialogar, supostamente rejeitadas, tornam-se agressivas, transformam o mundo num imenso campo de batalha, onde lutam… distantes, incompreendidas e incapazes de compreender. 

 

O estar só, simplesmente, não quer significar solidão com todo o conhecido cortejo de características negativas, mas pode ser um desejo e uma necessidade, uma vontade e uma satisfação.

 

E haverá momentos em que as duas situações se associam: queremos estar sós e em silêncio porque precisamos absolutamente disso para o nosso trabalho, mas não queremos prolongar esse estado nem o sentimento (eu abandono os próximos, os outros abandonam-me, logo sentirei a solidão) para além do tempo em que necessitamos de nos concentrar e de trabalhar sem dispersão.

 

Por isso, digo, verdadeiramente ninguém aprecia estar só, quero dizer, não… 24 horas por dia, 7 dias por semana, a vida toda. Apenas o faremos com alegria e, mesmo assim, durante o tempo necessário, se estivermos obcecados por uma acção que nos preencha inteiramente.

 

O trabalho, qualquer trabalho, é esforço e pena, mesmo quando dá prazer a quem o realiza e deleita aqueles a quem se destina, como é o caso do trabalho do escritor.


Na sua linguagem radiosa, muito criativa e estimulante, Roland Barthes toca o ponto fundamental quando enuncia a dificuldade principal do escritor moderno – o que o faz sofrer, o que o leva ao isolamento, ou, se quiserem, à solidão. Que é também a da sua escrita.

 

Tento explicar, seguindo Barthes.

 

 “Como a arte moderna na sua totalidade, a escrita literária contém simultaneamente a alienação da História e o sonho da História: como necessidade atesta o dilaceramento das linguagens... como liberdade é a consciência desse dilaceramento e o próprio esforço que pretende ultrapassá-la”.

 

O escritor convencido da sua modernidade procura uma ruptura na língua; que é um sistema de valores e uma instituição social e, como tal, não pode ser modificada por nenhum indivíduo. E, de qualquer modo, resiste: foi construída por ninguém para que a comunidade se entendesse. Tudo o que podemos fazer é aprender a manobrá-la.

 

O que o escritor pretende, aquilo a que se obriga, e que é criar uma linguagem nova e livre, talvez nunca passe de projecto ou de sonho ou de experiência, já que o tumulto que provoca na língua vai tornar a escrita ilegível.

 

Apesar de tudo e de todos os seus desejos e prazeres, esforça-se por comunicar ainda, a um outro nível, empenha-se em dizer alguma coisa, mesmo que seja outra coisa, mesmo que não seja o que diz, mesmo que seja o que não diz.

 

Penso que a escrita neste sentido se assemelha à pintura não figurativa e como qualquer outra arte do nosso tempo, corresponde à visão de um mundo desordenado e intrigante e também a "modificações decisivas de mentalidades e de consciências".

 

No século XIX, os escritores concebiam belas histórias românticas, e davam às suas narrativas a forma tradicional do romance. Os poetas queriam estar sós e tristes porque isso era interessante para a sua obra afectiva e sensível - assim António Nobre, Fernando Pessoa, tantos outros. E havia os génios que tinham a primazia do estado solitário.

 

Presentemente, pensa-se que as histórias estão todas bem ou mal contadas e os poemas líricos todos ditos, o que importa é o trabalho com a linguagem.

 

É evidente que o pobre escritor e o poeta contemporâneos têm de utilizar os velhos significantes ligados aos antigos significados porque esses são os signos que constituem a língua que usam. E, do mesmo modo, devem abandonar a literatura que os antecedeu. Mas a sua obra vai tornar-se-á escrita , tal como pretendem, no fim de um trabalho que é provocante e maldoso - o de perverter a sagrada língua da Mãe e dos Avós.

 

Deve ele usar a língua pura, purificá-la mais, ou perverter a língua? Quer novidades que só surgem com … O escritor é uma pessoa de bem, por isso, se interroga de que modo pode perverter a língua sem a perverter. É nesse duro dilema que a sua consciência se despedaça.

 

Se, apesar de toda esta actividade considerada criminosa, quer continuar a ser escritor é porque acredita que lhe está prometido um mundo novo, onde a linguagem será asseada e viçosa e brilhante. E não resiste.

 

O trabalho a partir de materiais usados não é exclusivo do escritor, mas ele é o único que utiliza o que, além de pertencer à comunidade, é sua pertença de modo tão privado, como uma qualidade que é sua desde que se conhece, como sua cultura e sua pátria.

Uma das razões do desejo de estar só e de solidão é que esse trabalho torturante implica uma cabeça limpa e em silêncio. E não se trata apenas do silêncio exterior a si.

 

Por vezes, sinto que tenho de empurrar pensamentos persistentes, impeli-los com força como caixotes pesados, afastá-los do centro da minha mente para ter aí espaço, que sinto como físico, para aqueles com que me quero ocupar.

 

E a escrita, culpada do afastamento do autor (se a sua linguagem é diferente, ele fica desligado dos outros e é esta a solidão que dói), é ela própria solitária porque é indecifrável, quero dizer, não comunica facilmente, quase desiste de desamparo, (haverá um código que se descobre no momento em que há que inventar outro), mas tem sempre e ainda uma esperança de expressividade, tal como o autor. A escrita quer conservar um sentido vago, um reflexo, uma diminuta recordação do velho código, talvez uma metáfora.

 

E como as pessoas incapazes de dialogar, a escrita é agressiva na sua luta isolada para ser aceite e entendida.

 

 “Sentindo-se constantemente culpada da sua solidão, ela não deixa de ser por isso uma imaginação ávida de uma felicidade das palavras, precipita-se para uma linguagem sonhada cuja frescura, por uma espécie de antecipação ideal, representa a perfeição de um mundo novo adâmico onde a linguagem já não seria alienada”.

 

Deveremos ser sensíveis e pesquisar, estudar, tentar conhecer.

 

Enfim há muitas solidões para o escritor: as dele - a voluntária e desejada (gostava de inventar uma palavra nova) que é um silêncio, exterior; o outro silêncio que afasta os ruídos interiores; a que não deseja e lhe vem das dificuldades de um trabalho criativo e subversivo (a sua escrita – original e difícil de compreender - afasta-o e isola-o dos outros). E a da escrita, a solidão da escrita, ela própria a afastar-se das outras escritas.

 

Devo concluir contudo que há apenas duas qualidades de solidão para qualquer pessoa: a que se deseja e a que se sofre.

 

Zilda Cardoso

(escritora, convidada do MiL RAZõES...)

 

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31.3.09


 


Era mais um entardecer soalheiro que aquecia os rostos ausentes no banco do jardim naquela praça. As conversas banais para quebrar o silêncio incómodo, acompanhavam o chilrear dos pássaros. Celestino, com o olhar preso no horizonte e os pensamentos ancorados no passado, deixou-se despertar pela inquietude contagiante das crianças que fugiam, como se não houvesse amanhã, da campainha que ecoava da escola. Celestino pensava amiúde - “E se não houvesse amanhã, para mim?” Ao ver as crianças de sorrisos abertos, deixou-se mergulhar nas memórias… voltou a ser o pai forte e sorridente que abraçava e levantava os seus dois filhotes com a leveza que só o amor permite, voltou a sentir-se invadido pelo aconchego dos gestos ternurentos que só um filho sabe dar, voltou… ao presente, e resignadamente sorriu… estava na hora. Lutando contra a força da gravidade cada vez mais decidida, levantou-se num esforço longo e demorado, com o peso que só a certeza do abandono encerra. Faltavam-lhe braços em seu redor que o ajudassem a abandonar o banco frio. Desaparecera o calor dos afectos, o tempo de partilha de histórias e tontices. Desaparecera o amor, ou pelo menos as pessoas para que o ajudassem a recordar o que era o amor. Tanta coisa que desaparecera, menos uma: sobrava-lhe tempo, muito tempo. Porque o tempo parece petrificar-se na amargura de quem passa por ele só, completamente só…

 

Era tempo de ir para casa. A sua “casa”, que não era mais do que um roteiro penoso de memórias cravadas em cada mesa cambaleante, em cada tábua do soalho que range ao ritmo dos passos lentos, em cada espelho que reflecte para si a imagem serena do seu amor, da sua vida, do amor da sua vida. Era tempo de ir para “casa”. Outrora o seu refúgio e o seu lar, a casa do presente não era mais do que um rigoroso relógio suíço que assinalava com precisão as épocas festivas (pelo menos para alguns) do ano. O silêncio pesado quebrava-se com o toque do telefone que conduzia até si as palavras doces dos netos e as sempre, sempre apressadas vozes dos filhos, dos seus dois filhotes. Na verdade, essa era a única forma de Celestino se lembrar que o Natal continuava a existir, porque a sua família, pouco a pouco, foi deixando de lhe aquecer a alma, foi deixando de estar bem juntinho ao seu coração, foi deixando de o ser, família. Celestino não se sentia a família de ninguém. Era também a única forma de se recordar que mais um ano tinha passado sobre o seu nascimento, quando, na realidade, aquilo que, com vergonha mais desejava, era terminar com o sofrimento de sobreviver mais um dia à companhia tristemente inabalável da solidão.

 

Enquanto caminhava com os olhos vazios perdidos na calçada, Celestino interrogava-se “E se não houvesse amanhã, para mim, terias saudades minhas, solidão?”…

 

Liliana Jesus

 
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29.3.09


 


As grandes concentrações urbanas, cada vez mais, criam sem-abrigo, pessoas sem tecto, sem família, sem amigos, sem afectos, enfim sós... numa praça, num banco de jardim, na entrada de prédios e lojas, em contentores de lixo, ou simplesmente na rua, já nos fomos habituando a estes elementos paisagísticos... Ainda que à primeira vista pareça escandalosa esta afirmação, a verdade é que os transeuntes passam, olham, por vezes reparam e sentem desconforto, mas na maior parte das vezes são indiferentes...

Pessoas marcadas por rupturas familiares e relacionais, por doenças graves, por comportamentos aditivos, por ausência de uma casa para viverem, pela falta de emprego, moram na rua... rodeados de centenas de outras pessoas, de sons, de movimento e ao mesmo tempo tão sós... as relações afectivas significativas são muitas vezes inexistentes. O conforto, o calor humano de um abraço, o sorriso sincero de um amigo, de um familiar, o aconchego de um sofá, um programa de televisão, uma refeição quente... não existem... como se sentirão estas pessoas? Miseráveis, digo eu...

Gente rica de experiências anteriores, de histórias da família, dos amigos, do emprego... e agora? Restam-lhe memórias... que não se partilham... apenas restam lembranças...

Naturalmente estas pessoas andam a passos largos por caminhos de tristeza, sombra, e solidão. Bateram no fundo de todo e qualquer processo de exclusão.

 

Há alguns anos atrás, numa praça da cidade do Porto, conheci um senhor que costumava permanecer por ali... parecia ter meia idade. Era alto, de aspecto grotesco. Tinha barba e cabelo compridos. Costumava falar com ele próprio e por vezes em alta voz... os transeuntes reparariam nele por estas razões. Foi também isso que me chamou a atenção. Um certo dia vim a conhecer a sua História da Vida e tive oportunidade de ter conversas muito interessantes e despertadoras da consciência. Afinal ele tinha uma voz doce, meiga, apesar de carregada de tristeza, um discurso eloquente, uma consciência e uma lucidez incríveis, contrariando as primeiras impressões.

Foi uma pessoa que passou parte da vida a formar-se, a criar uma família, mulher, filhos, amigos, a construir uma carreira, enfim aquilo que a maioria de nós tenta fazer e faz de alguma forma. No entanto, a dependência alcoólica e do jogo, começaram por corroer, destruir aquele lugar... Após várias tentativas de tratamento, sem sucesso, a família desistiu, afastou-se, abandonou-o... No emprego, foi despedido... Sem rendimentos, deixou de pagar a casa... foi despejado... passou a morar na rua… só. Desde aí tem andado de cidade em cidade, de praça em praça, de rua em rua... nunca mais falou com a mulher e os filhos... Pensa todos os dias neles... tem saudades, muitas. Sente vergonha e frustração. Para não voltar a desiludir nem defraudar aqueles que tanto ama, mantém-se na rua, com ele só.

Os comportamentos relacionados com a dependência alcoólica agravaram-se e outros problemas de saúde associados vão aparecendo, físicos e mentais. Até quando durará a lucidez e a consciência que tanto me surpreenderam? E as memórias, até quando ficam? Sim, porque o resto já se extinguiu há muito...

As condições adversas a que progressivamente foi sendo sujeito e que culminam numa ruptura total com todos os sistemas de pertença, formais ou informais, tornam-no num excluído, no sentido mais grave que a expressão possa ter.

 

Será que cada um de nós alguma vez pensa que estas pessoas deixam atrás de si Histórias, experiências e vivências tão idênticas às nossas? Será que achamos que nasceram no abismo em que as vemos e que sempre foi assim, para eles? E que nós estamos muito longe de chegar àquela condição? Não criemos ilusões... 

 

JM

 
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25.3.09

 


 


- Vou telefonar para lhe contar que…

Parou repentinamente, ficou suspenso como se fosse um títere subitamente abandonado. Depois desceu, lentamente, e ficou sentado na cadeira.

 

Como era possível? Onze meses depois e o seu cérebro, por vezes, persistia, insistia em ignorar a realidade, teimava em não aceitar o que tinha acontecido, o que tinha mudado irreversivelmente.

Porquê? Toda a informação estava lá, tão exacta, clara, brutal e límpida como quando foi guardada: aquele telefonema às oito da manhã, profissional e contido, quase telegráfico, a informar que ela tinha morrido havia meia hora; a primeira vez que os seus olhos perceberam, através de uma porta entreaberta, o seu corpo já sem conteúdo, sem alma, sem calor; o último instante, no cemitério, no qual tomou consciência de que os seus olhos jamais voltariam a recolher, a actualizar aquela imagem.

Ficariam apenas as memórias. Até onde será possível manter as memórias? Como será que o tempo as altera, as desgasta, as corrompe, as corrói?

 

Sabia que aquele lugar ficaria ali, dentro de si, durante toda a vida que lhe sobejava. Pressentia que aquele vazio, aquela solidão que se instalou, estavam para ficar; quanto tempo ficariam? Provavelmente para sempre, até que fosse possível um novo abraço, até ser possível dizer tudo o que ficou por dizer.

 

FCC

 

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21.3.09


 


Acordo de manhã. Mais um dia. Mais um dia que tenho que sair da cama e só me apetece ficar enterrada nos lençóis. Olho para a roupa que tenho em cima da cadeira. Não há nada que me apeteça vestir. Qualquer roupa que use nunca vai ser suficiente boa para pertencer ao grupo. Elas riem-se de mim, apontam o dedo.

Até a Carolina já não fala comigo. Agora são todas amigas. Que elas se riam, eu não quero saber. Agora ela? Eu nunca esperei… com quem converso agora? Quem me apoia quando as lágrimas estiverem a saltar dos meus olhos? A quem ligo quando em casa tudo desaba? A quem posso contar as dores que me vão no coração?

Em casa a Mãe diz que se elas me tratam assim é porque não merecem a minha amizade. Mas só eu sei o quanto gostava de fazer parte do grupo.

Só quero fugir daqui, e nunca mais aparecer. Será que se eu desaparecer elas vão sentir culpa? Quem sabe a minha falta?

A quem tento eu enganar? Eu sei que não… iam chamar-me fraca. Mas eu não sou fraca. Sinto-me sozinha, é só isso. Porque é que ninguém entende?

Dói-me o peito, sinto cá dentro uma mão que me aperta o coração. Tristeza, disse a psicóloga da escola. Sofro de tristeza.

Mas eu não sinto isso… não é tristeza. É solidão. Já ninguém se senta ao meu lado na sala. Já ninguém me acompanha nos intervalos, já ninguém faz o caminho de casa comigo.

Queria fechar os olhos e que tudo isto desaparecesse, que todas as dores acabassem. Queria voltar a rir, a gostar das pessoas, a ter amigos.

Continuo deitada na cama. Lá fora chove. É o céu a chorar comigo.

 

Filipa

 
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19.3.09


 


Concentro-me no fio que vejo à minha frente. Olho somente para os 20 cm que me separam do passo seguinte. Posso parar, olhar para a frente, para traz, para cima, para baixo ou concentrar-me somente nos 20 cm à minha frente, talvez só 15, ou até 10.

 

Se espreitar para baixo, posso ver o abismo e lembrar-me que ainda não me desequilibrei.

 

Se olhar para cima, posso ver uma chuva de incertezas que me pode molhar mas adivinho a força que me pode guiar.

 

Se olhar em frente, posso ver terra firme ao longe que o meu fio chega a alcançar e percorrer. Mas sei que até lá tenho de me concentrar em cada passo, um de cada vez, tenho de olhar para os 20 cm à minha frente, talvez só 15, ou até 10.

 

Não olho para traz, não preciso. Tudo vem comigo. As gargalhadas e os choros, as tristezas e as alegrias que vivi, que senti, que partilhei, que recebi, que tanto recebi. Trago comigo todos aqueles cujo fio se cruzou com o meu, tecendo uma teia de amizade. Todos esses a quem eu desejo que sejam tão felizes. Trago-os em cada um dos meus passos, nos próximos 10 ou 15 cm à minha frente, quem sabe, até 20.

 

Estefânia Sousa

 

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17.3.09


 


Sinto a minha vida a passar como um filme onde eu adormeci…

O que eu faço neste mundo?

 

Desde a minha adolescência que sinto sempre ser menos do que deveria! Meus pais gostam mais da minha irmã e ela é que é perfeita! Não consigo fugir às comparações diárias… até na escola todos viravam à sua passagem… e eu: invisível… conhecida apenas como a irmã mais nova dela. E esse sentimento persegue-me… ainda me sinto minúscula, sozinha, completamente perdida neste mundo onde eu não tenho lugar… Como eu me sinto a mais infeliz dos mortais!

 

Não consigo fazer o meu marido feliz e nem sei porque é que ele casou comigo! Talvez por pena? Quanto mais ele tenta chegar a mim, mais culpa sinto por não o merecer! Não gosto de mim… porque é que alguém gostará?

 

E ultimamente… custa-me até dizer isto… mas tenho pensado tanto que seria tão mais fácil desaparecer… Não tenho sentido vontade de fazer nada, tudo me custa… levantar-me da cama é extremamente doloroso… ver-me ao espelho ainda mais… fujo dos outros, fujo da vida como de mim mesma… sinto uma angústia… e vejo os outros a falarem comigo mas não os consigo ouvir… e ninguém consegue compreender-me… falamos línguas diferentes? Bem, eu própria não consigo falar comigo, não tenho linguagem nem vida! É por isso que mesmo no meio de uma multidão, eu sentir-me-ia sozinha…

Não sinto alegria em mim, não sinto alegria nos outros e nem sinto alegria no mundo… acho que morri e ainda não me enterraram…

 

Ana Lua

 

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15.3.09


 


Bastou-me sentir o olhar dele, quando abri a porta do gabinete, para perceber logo que não tinha a mínima hipótese, como já era de esperar. Para dizer a verdade, nem sabia como tinha chegado tão longe… será que não se tinham apercebido de que não indicara a data de nascimento, ou que dificilmente uma menina de vinte e cinco anos teria aquela experiência profissional, ou terão gostado assim tanto da minha carta de apresentação?

Tinha-me convencido a mim própria a não desistir, apesar de todas as candidaturas sem resposta e das esperas por conversas infrutíferas com conhecidos mais bem posicionados. Afinal, são quarenta e sete anos e não setenta e quatro, a minha cabeça não só funciona perfeitamente bem como já não se atrapalha com poeiras, e toda eu encaixo no tal perfil pretendido, à excepção da idade, claro, factor que, cada vez mo deixam mais claro, tem mesmo o incompreensível condão de anular todos os outros.

Haverá alguma justiça nisto tudo? Por mais que tenha feito e trabalhado, o meu BI agora dita que já não pertenço ao grupo dos produtivos, que não sirvo para trabalho nenhum, que tenho de me resignar a não ser ninguém? Esta não é a minha história - como é que vim aqui parar? E ainda há o dinheiro. A família aguenta-se, mas eu agora vou depender do marido ou do dinheiro das heranças?

Os velhos a sério, esses sim devem sofrer. Abandonados em algum lar ou na rua, até, a esses foi-lhes deixado bem claro que já não fazem parte do mundo de todos, que não têm nada que esperar coisa alguma da vida, a não ser libertar espaço brevemente.

 

Mas eu estou apenas farta. Farta de estar em casa sozinha e de ter de esticar as lides que antes me demoravam uma manhã pelos cinco dias da semana útil. Adoro o meu marido, adoro os meus filhos e adorava a minha casa. Mas agora, como toda a gente ou trabalha ou estuda, não tenho ninguém com quem estar durante o dia, e quando eles chegam ainda me sinto mais como se estivesse a cometer um pecado qualquer. Às vezes saio doidinha com um saco das compras que há-de ir e voltar vazio só para ver pessoas. É melhor assim do que estar com conhecidos, que olham para mim ou com indiferença ou com pena, como se tivesse uma deficiência qualquer, lembrando-me, de uma forma ou da outra, de que não faço parte do mundo em que eles seguramente vivem.

Se ao menos eu não acreditasse que isso é verdade.

 

Ana A

 
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10.3.09

 


 


O início de mais um dia leva-o, inevitavelmente, ao ritual diário. Olha-se ao espelho e verifica o seu aspecto, o seu fato cinzento impecavelmente bem passado, a camisa engomada e uma gravata da moda.

O único senão naquele quadro tão bem produzido era as suas olheiras; mesmo com camadas de creme para as disfarçar, eram perceptíveis. A desculpa da farra da noite anterior teria de pegar mais uma vez.

 

O dia decorria com alguma normalidade e antes que os primeiros sinais de ressaca se manifestassem, levou-o a mais um gesto rotineiro e vital, procurar no bolso aquele saquinho que continha a “alavanca” que o empurrava para a vida e o fazia sentir capaz de tudo.

Não o encontrou no local habitual; com a pressa deve tê-lo colocado num outro bolso… Nada… Como os seus movimentos começavam a deixar transparecer o seu nervosismo e a sua ansiedade, um colega que o observava perguntou: “- Está tudo bem?”

Como poderia estar tudo bem? Como? Começava a precisar urgentemente da sua dose, as mãos começavam a tremer, o pânico estava a dar-lhe vontade de vomitar. Tinha dentro de alguns minutos uma reunião com o seu Director e já não conseguia pensar em mais nada, precisava apenas daquele líquido “milagroso” a misturar-se com o seu sangue e fazê-lo sentir-se vivo outra vez.

 

Começou a ver a sala andar à roda e inevitavelmente um “piloto automático” assumiu o controlo das suas acções.

Sem pensar em mais nada saiu disparado em direcção a sua casa; lá com certeza iria encontrar o que tanto precisava para conseguir acalmar e sossegar a “histeria” que sentia interiormente.

Entrou em casa e procurou no seu secreto esconderijo o saquinho que continha o seu “melhor amigo”. Vasculhou tudo, remexeu em tudo, mais do que uma vez e nada.

Sentia a cabeça a rebentar, os pulmões a asfixiarem e o coração batia de tal forma que parecia que iria explodir. Estava já sem capacidade para raciocinar, tinha as suas forças todas canalizadas num único sentido, onde, para onde e de que maneira iria conseguir a dose de heroína que tanto necessitava para voltar ao “normal”?

Sem hesitar dirigiu-se àquele local onde, é sabido por todos, se encontra com facilidade qualquer espécie de estupefaciente. Num rápido trocar de mãos teve finalmente em seu poder o seu “precioso paraíso”.

 

No primeiro local que lhe pareceu minimamente resguardado, preparou a substância que dentro de segundos e após ter perfurado uma veia, injectou no seu corpo. E esperou que o efeito se apoderasse dele e o trouxesse “de volta”.

Quando finalmente ficou no controlo da situação viu que, mesmo ao seu lado, estava um rapaz, talvez da sua idade, com um aspecto imundo e subnutrido, ainda com a seringa espetada no braço.

Aquele rapaz com quem partilhou o passeio e por quem, no primeiro momento, sentiu algum desdém, era um espelho de si próprio.

O que os separava era apenas a distância de umas roupas lavadas e um aspecto cuidado, porque ambos partilhavam um olhar raiado, uma vida condicionada e dependente e uma solidão desoladora, ainda mais perigosa que os efeitos da droga.

 

Susana Cabral

 

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7.3.09


 


Naquela tarde, depois de mais um dia de trabalho, subo a rua em direcção ao autocarro que há-de levar-me a casa. É tarde. Está muito movimento e a minha preocupação é andar depressa para não atrasar o jantar. Cruzo-me com as pessoas sem reparar nelas. Não teria chamado a minha atenção se não fosse a sua figura frágil e o seu andar cambaleante; alguma coisa estava errada com aquele homem que há muito passou pela juventude. Olho para trás na tentativa de perceber. Lá estava ele, agora sentado no degrau de um edifício.

Não sem algum desagrado pelo contratempo, mas a sentir que deveria fazer alguma coisa, volto para trás e dirijo-me a ele perguntando se se sentia bem.

Não, não sentia.

Tinha saído de casa pela manhã e a pé, tinha ido até ao Instituto de Oncologia fazer o tratamento. Agora estava de regresso a casa, novamente a pé. Como não tinha comido estava muito fraco. Quis dar-lhe algum dinheiro e uma senha para ir de autocarro.

Não aceitou. Teria muita vergonha se aceitasse.

Desde que a mulher morreu que vive sozinho, esconde as dificuldades dos vizinhos, porque, segundo ele, tem muita dignidade. Reparo que, apesar de cansado e frágil, tem ar muito asseado.

Insisto para que aceite a senha de autocarro. Perante a recusa despeço-me e retomo o meu caminho. Pareceu-me que tentei fazer o que podia. Não entendia pois aquele mal-estar que me intranquilizava.

Nos dias seguintes pensei muito naquele homem. Disse a mim mesma que se nos voltássemos a cruzar, iria conseguir que ele aceitasse a minha ajuda.

Passaram uns meses. Uma tarde, com uma terrível dor de cabeça, saio mais cedo do emprego para ir descansar. A enxaqueca estava a consumir-me e só pensava em chegar a casa para me deitar.

Eis que de novo e no mesmo sítio me cruzo com ele. Estava mais frágil e ainda mais cansado. Tão cansado que não se fez rogado e aceitou a ajuda monetária, desta vez para ir de táxi porque o seu estado, já no limite das forças, não lhe permitia ir até ao autocarro. Agarrou-me as mãos e beijou-as. A situação era-me desconfortável e afastei-as devagarinho. Voltou a abordar a perda da mulher e o facto de morar sozinho. Interrompi-o dizendo que já me tinha falado disso. A minha cabeça continuava a doer e parecia rebentar a qualquer momento.

O homem, sentado no degrau, tentava levantar-se sem qualquer êxito. Do nariz, um leve fio de sangue denunciava mais um tratamento em Oncologia. Uma vendedeira de rua que entretanto se aproximou, ofereceu-se para o levar a casa. Tanto melhor, poderia comer uma boa refeição com o dinheiro que lhe dei para o táxi.

Ainda olho para trás a tempo de vê-la a ajudá-lo a entrar para o seu furgão. Experimentei uma sensação de alívio. Resolvi um problema àquele homem. Pontual, mas resolvi. Esta sensação foi muito curta porque aquela pessoa não me saía do pensamento. Novamente aquele mal-estar. Aquela mesma intranquilidade.

Hoje, e porque não há duas sem três, espero ter a sorte de me cruzar novamente com ele. Desta vez sei o que tenho a fazer.

Querido amigo, vou dar-lhe tempo. Vou deixar o jantar para mais tarde, aguentar qualquer dor de cabeça, sentar-me consigo no degrau do edifício, dar-lhe as mãos e vai poder falar-me de como é viver sem a sua companheira de tantos anos, de como é difícil enfrentar uma doença e os tratamentos violentos a que é submetido. Vai poder falar-me da sua solidão, dos seus medos… Vai poder falar-me do que entender…

Eu vou escutá-lo!

 

Cidália Carvalho

(Imagem: Cabeça de Velho, de Candido Portinari)

 
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3.3.09


 


Desde que se mudou para o barraco, junto à estrada, que o barulho e o trepidar dos primeiros autocarros são o seu relógio despertador.

Acordou com a sensação de ter um corpo junto ao seu. Abre os olhos esfrega-os e volta a abri-los... parecia tão real!... Foi apenas o desejo a levar a melhor sobre a realidade, a sua Sacha está lá longe na cidade fechada de Vladivostok.

Desde que o governo instalou a base militar naval que a cidade deixou de estar aberta aos turistas e visitantes. Foi aí que ficou a sua companheira. O que ganha, mal dá para a renda de casa, mas com a ajuda dos pais e os restos que leva da cozinha da base militar onde trabalha, tem conseguido criar as três filhas.

 

Sente frio, o corpo é sacudido por um arrepio, instintivamente cruza os braços e aperta-os contra o peito, está vivo, e pela frente outro dia.

Mais um dia igual a tantos outros desde que deixou a sua terra bem longe, junto aos Urais. Tinham-lhe dito que na Europa a vida tinha outro brilho, não faltava onde trabalhar e os ordenados compensavam a distância. Com alguma sorte podia mandar algum para a terra e bem poupadinho, em pouco tempo poderia dar a Sacha a casa que lhe garantira virem a ter, um quarto grande para as meninas e cá fora um espaço para brincar e pôr uma mesa grande para reunir toda a família nos dias de festa.

 

Varre com o olhar o espaço exíguo onde se protege da chuva e do vento. O frio, esse continua lá; não há manta que aqueça a alma.

Já não se lembra da última vez que alguém lhe dirigiu a palavra, que o tratou pelo nome. Pronuncia-o só para si, baixinho e devagar Iiiggor. Quando miúdo, se a mãe se zangava, chamava-o carregando no “o” e arrastando o “r”, Igórrr. 

Com a lembrança da mãe o rosto perdeu rigidez e deu lugar a um tímido sorriso.

Sozinho, sem pressa de voltar a ganhar compostura, continua a sorrir e com demorado prazer repete baixinho: “min a zabut” Igor...

 


Cidália Carvalho


 

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28.2.09


  


Os caminhos percorridos, de mão dada com o vazio, são gélidos e sombrios…

Muitas são as almas que, sem saberem outra forma de vida, percorrem corredores de histórias vazias de conteúdo…

Vazias por não haver com quem partilhar.

Histórias de vidas que decorrem de uma forma incógnita por serem tão poucos, ou nenhuns, os que sabem ou conhecem o seu princípio, o seu meio ou o seu fim.

O sofrimento que fica escondido por aqueles que fingem um sorriso e o apagam sem dizer adeus…

A dor suportada de uma forma calada e conformada que acaba sem um possível aviso…

Demasiados rostos sem significado vagueiam à procura de compreensão e apenas permanecem insuportavelmente sós…

Questiono se a solidão permanente e forçada atira alguém para os braços do suicídio?

Pergunto se de um mito ou de um facto se trata, quando se afirma que a solidão é uma forma lenta de morrer?

A solidão retira a energia e a vontade de viver - será uma realidade?

Será com convicção que afirmamos que a vontade de morrer aparece naquele que não encontra uma identidade?

O desejo de sentir o último sopro, poderá ser provocado por falta de entendimento, compreensão e afecto?

Será a crença na força da natureza humana, para superar todas as dificuldades e adversidades, uma utopia?

 

Seja mito ou facto, realidade ou utopia, crença ou convicção, o suicídio abraça com mais força aqueles que se sentem sós e que estão sós.

 

Susana Cabral

 

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21.2.09

 


 


 


Diz o ditado que "Quem corre por gosto, não cansa", e a confirmar estas sábias palavras, aí está o próximo Simpósio Mil Razões..., desta vez dedicado ao tema da Solidão. Pretende-se que este Simpósio apresente uma visão alargada e multi-facetada desse fenómeno que cada vez afecta mais pessoas na nossa sociedade, independentemente do estatuto social, idade, credo ou raça.


Acredito que, quer pela excepcional qualidade dos oradores que se conseguiu reunir, como pela cada vez maior premência do tema, iremos ter um simpósio que sem dúvida não deixará ninguém indiferente.


Para obter mais informações sobre o simpósio basta seguir o link que se encontra na barra direita deste blog.


Até breve...


 


Alexandre Teixeira


 

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29.10.08


 

Debato-me com uma questão:

Quantos de nós já pensaram em suicidar-se?

Quantos escondem esse pensamento, essa vontade?

Por não saberem de onde provém esse pensamento, ou com vergonha de admitir que no mais íntimo dos seus pensamentos passa uma vontade de terminar com a própria vida.

 

Chegamos a pensar que é ofensivo questionar alguém, se pensa, ou se já alguma vez pensou, em suicidar-se e, por isso, nem nos atrevemos a perguntar, ou a pronunciar a palavra suicídio em voz alta, como se de uma doença contagiosa se tratasse.

Continuo a questionar-me quantos de nós, na verdade, já pensaram em pôr termo à sua existência, seja por pura infelicidade, ou por uma momentânea incapacidade de gerir uma dor interminável e esmagadora, uma dor que por si só tira a capacidade diária de respirar e de viver.

Parece que os que admitem esses pensamentos são “dementes”. Como se esses pensamentos nunca surgissem a que vive "normalmente" e muito menos a mim!!!

Eu!? Eu que vivo apaixonada pela vida? Eu que adoro viver? Eu que só por sentir o vento me sinto feliz?

Sim, eu!

 

Houve um momento na minha vida, em que pensei que o suicídio seria a solução do meu problema.

Um momento em que perdi a vida ao ver morrer uma das minhas almas gémeas. Perdi o seu calor, o seu conforto e a mão forte que me guiava.

Com milhares de pessoas à minha volta, senti-me só...

Os pensamentos vagueavam presos a um passado que jamais voltaria a ser presente... por muitos adjectivos que utilizasse, nunca conseguiria descrever, escrevendo, sentimentos devastadores e demasiado insuportáveis.

Perdi o ventre que me deu vida, os braços que asseguraram a minha sobrevivência, o sorriso que me fazia feliz...

O sentido da minha vida dissipou-se e com ele a vontade de viver.

Pensei e desejei morrer!

Morrer nos meus próprios braços!

Sim! O suicídio é um pensamento que já me ocorreu!

Mas houve alguém que se atreveu a perguntar!

Houve alguém que ousou “ofender-me”, salvando-me dos meus próprios pensamentos!

 

Quantos de nós pensam no suicídio?

Não existindo uma “ofensa” capaz de questionar a existência de outro caminho e de salvar?

E nem sempre é apenas um pensamento que ocorre num determinado momento da vida, em que confundimos a dor com a falta de vontade de viver.

 

O perigo estará apenas num pensamento, na vontade de morrer, ou estará também na falta de uma pergunta, feita com preocupação e com a capacidade de salvar?

 

Susana Cabral

 

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