
O luto anda de braço dado com o apego. Enlutamo-nos, com maior ou menor severidade, sempre que perdemos alguém (ou algo) a quem (ou a que) éramos apegados. O luto é uma mescla de sentimentos pesados que emerge quando nos é subtraída uma parte significativa de nós. O apego é a pertença a alguém ou a algo. Esta pertença, quando ultrapassa o plano material e passa a revestir-se de emoção, começa a fazer parte de nós, contribuindo para o nosso bem-estar e até para a nossa identidade. Somos, para o bem e para o mal, o que temos, as pessoas que amamos (e as que odiamos), principalmente as que gravitam perto de nós, somos tudo aquilo que entra na nossa vida e na nossa história pessoal.
Tenho ouvido umas vozes convictas a defenderem e a apregoarem fórmulas "ganhadoras" de felicidade que têm o desapego na sua raiz. Se bem entendo, o desapego é a capacidade de nos desligarmos das pessoas, dos objetos, dos feitos, das aquisições e do passado sem que, contudo, ponhamos de lado aquilo que por tudo isso sentimos. É conceber o mundo e as pessoas como existentes nos seus contextos e vidas sem que façam verdadeiramente parte de nós, sem que nos pertençam. É uma espécie de libertação emocional que diminui o sofrimento quando alguém nos é arrancado por morte, divórcio, separação, perda ou desaparecimento. É, numa das melhores metáforas que li, como ter um pássaro pousado na mão, que voará a qualquer momento e nós sabemos disso e aceitamo-lo.
Este conceito parece-me válido em situações nas quais não há alternativa, como por exemplo, quando o povo tibetano começou a ser atrozmente perseguido e massacrado pela tirania imperialista chinesa de meados do século passado. Parece-me igualmente válido para quem aprecie uma boa teoria e queira para si uma vida de emoções moderadas. E julgo ser particularmente útil para todos os que procurem soluções místicas para o sofrimento.
Do meu ponto de vista, o desapego tem na sua essência uma existência contaminada pelo medo: medo de perder, de sofrer, de não controlar as emoções, de ficar dependente dos sentimentos... Como convivem os desapegados com a vida, com os prazeres da vida, com o outro lado do apego? Moderadamente, também?
A vida vai tendo, em maior ou menor grau, aqui e ali, agora ou mais tarde, estes dois lados: o prazer e o sofrimento. Um sem o outro não têm definição. Por muito que custe, o luto faz parte dela: estamos sempre sujeitos a perder alguém ou algo. E nem sempre é para dar lugar a uma reposição ou a uma melhoria. Simplesmente perdemos. Mas a vida tem também todo o outro lado, o do amor, da proximidade, da boa gargalhada, da intensidade, da entrega absoluta ao outro, voluntária, para dar e receber.
Não há fórmulas e cada um escolhe a postura que melhor lhe serve: o desapego é um conceito interessante, mas não, obrigado!
Joel Cunha