Quando pensamos em valores morais ou éticos tendemos a considerá-los como um conjunto de regras ecuménicas e imutáveis que a todas as outras se sobrepõem, que todos sem exceção devem observar, porque a todos obrigam de igual forma. Esta tendência reflete não só a necessidade que sentimos de catalogar, classificar e organizar os nossos conceitos de vida em sociedade, mas também a propensão para os generalizar, considerar como definitivos e impor como universais. Esquecemo-nos que a maioria esmagadora dessas regras e valores é datada e resulta de necessidades humanas transformadas em abstrações. Que “todo o mundo é feito de mudança” e que diferentes vivências originam diversas formas de pensar e agir em sociedade.
Basta pensarmos nas questões que hoje nos dividem e porventura amanhã gerarão consensos alargados. Pensemos ainda nalguns temas fraturantes e na evolução que sofreram, ou não, ao longo dos tempos. A pena de morte, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, a mutilação dos órgãos genitais femininos. As Cruzadas, a Inquisição e o fundamentalismo islâmico. Servidão feudal, escravatura e escravidão moderna. Monogamia, poligamia.
Para os esquimós, o infanticídio era aceite. Em 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos estabelecia que todos os homens nascem iguais, mas mantinha a escravatura e o estatuto de inferioridade das mulheres. Em 1822 foi aprovada a primeira lei eleitoral portuguesa mas só em 1931 foi reconhecido o direito de voto às mulheres com curso liceal. A versão da Sharia praticada pelos Taliban, nega às mulheres alguns dos direitos que no ocidente são inquestionáveis, em nome do respeito e da honra que elas lhes merecem. Para os habitantes de algumas ilhas da indonésia, é impensável matar qualquer ser vivo, animal ou planta. Alimentam-se exclusivamente de frutos caídos das árvores, de leite e do sangue que extraem dos animais por processos ancestrais. Que dizer de certos hábitos alimentares de povos distantes? Que pensarão eles dos nossos?
A distinção entre o juízo de facto e o juízo de valor subjetivo é desde logo essencial para sermos imparciais e afastarmos o preconceito em relação ao que nos é estranho, distante ou diferente. Ortega e Gasset disse: eu sou eu e a minha circunstância.
Claro que podemos encontrar alguns conceitos morais amplos, muito genéricos, muito abstratos, como a bondade, a honestidade e o respeito, mas sem os enquadrar num código de ética universal. Porque até o conceito de bem e de mal, elegendo apenas um deles, varia no tempo e no lugar.
Não existem verdades absolutas e universais no domínio da moral e da ética. Existem ideais assentes nos ditames da nossa consciência pelos quais acreditamos valer a pena lutar, mas sempre no respeito das diferenças e contidos nos julgamentos. Devemos ser humildes.
José Quelhas Lima