Num final de tarde abrasador percorria nervosamente umas ruas sujas, virava freneticamente ora para a esquerda ora para a direita, preocupada apenas em permanecer invisível.
Apesar do tempo, vestia um casaco de manga comprida, tinha o capuz enfiado na cabeça, até aos olhos, as calças eram enormes e espessas, e nos pés, uns sapatos que espelhavam os milhares de quilómetros que tinham percorrido. Sentia-me a sufocar com tanto calor, escorria-me o suor pelas costas criando uma sensação de alfinetadas, à medida que me mexia, onde a fazenda roçava. Tinha a perfeita consciência que não poderia expor-me e olhava de soslaio procurando um sítio onde pudesse acalmar a sede que me queimava a boca, e repousar o corpo que começava a exibir sinais de uma rutura iminente. Mas para onde quer que olhasse sentia que havia perigo, tinha de aguentar a sede e o desconforto.
Não levantava os olhos do chão mas sentia o temor do que pudesse ver, seguia por onde me parecia possível, olhando para cada pedra e para cada pedaço de lixo como uma possível ajuda.
O meu coração batia tão depressa que o barulho estava a deixar-me surda e cada vez com menos força para seguir, seguir em frente, onde quer que isso fosse. Estava em pânico, muito perto do abismo, sem opções, encurralada, ali assim, sozinha e desamparada. O sabor a ferro na boca fez-me ganhar um pouco de força, ainda estava viva, o sangue ainda circulava nas veias...
Pensei em correr, mas estava tolhida de medo, não sabia para onde ir, tudo me parecia arriscado, violento. Senti que a dor me trespassa a alma, fugia, tinha de continuar a fugir, estava a ser perseguida há tanto tempo que perdera a noção. Passei a minha vida a fugir!
Tinha a adrenalina a percorrer todo o meu corpo dando-me energia para me esconder, continuar a fugir e, talvez, quem sabe, mais uma vez conseguir sobreviver.
O medo, o temor e o pavor percorriam o meu corpo como um choque elétrico e não aguentava as minhas emoções que explodiam em forma de vómito.
Sentia as lágrimas a escorrerem pelo rosto e, numa derradeira forma de revolta, tentei manter alguma dignidade e gritei, gritei o mais alto que podia. Pedi ajuda, que alguém me ajudasse e me tirasse dos braços daquele terrível pesadelo...
Mas continuarei a fugir, a esconder-me, a viver aterrorizada, por causa da cor errada da minha pele ou por causa da minha religião. Vivo com medo, e continuarei a viver com medo de morrer nas mãos daqueles que se consideram certos. A fugir de um inimigo cruel a quem não conheço o rosto, um inimigo invisível que pode ser qualquer um, basta partilhar os mesmos preconceitos.
Enquanto prevalecer quem julga que uns são e outros não, terei sempre medo e andarei sempre amedrontada, a fugir do racismo dos outros.
Susana Cabral